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Critica BD – Made in Abyss Volume 3

O Volume 3 de Made in Abyss marca um ponto de viragem crítico — não apenas no ritmo da narrativa, mas também na sua disposição para mostrar os dentes.

Made in Abyss 3

Vou ser muito honesto com o leitor: é neste volume que o véu cai, onde o frágil encanto das entradas anteriores se dissolve numa descida implacável para a agonia, o horror e o custo monstruoso da curiosidade. E, ainda assim, continua absolutamente cativante.

Neste ponto, o manga ultrapassa a sua contraparte anime, encerrando de forma devastadora a jornada inicial de Riko e Reg com o seu treino brutal sob a alçada da White Whistle Ozen. A abordagem de Ozen é tão sádica quanto pragmática: castiga Reg para testar a sua resiliência de nível artefacto e abandona as crianças durante dez dias aterradores, como um ritual de iniciação distorcido. Estas provações cumprem um duplo propósito cruel — preparam-nos fisicamente para as camadas mais profundas, mas também preparam-nos, leitores, emocionalmente para o que está por vir. Ou assim pensamos.

A verdadeira alma deste volume, no entanto, é a Nanachi. Ao entrarem entre a terceira e a quarta camada, a sua aparência pode sugerir alívio — fofinha, cativante, até adorável — mas o seu passado é um dos arcos mais perturbadores e emocionalmente complexos do manga moderno. Contada em flashbacks fragmentados e mergulhados em trauma, somos apresentados a Bondrewd, outro White Whistle cuja crueldade faz Ozen parecer quase compassiva em comparação. Sem revelar demasiado, as violações éticas e o tormento emocional são de um horror absolutamente chocante. É uma história que nos dá um murro no estômago, entranha-se no peito e obriga-nos a confrontar o custo humano (e desumano) do progresso no Abismo.

Made in Abyss 3

Vale a pena dizê-lo desde o início: o Volume 3 não é, de forma alguma, uma leitura fácil. E, ao que tudo indica, essa dificuldade não é acidental — faz parte da proposta estética e emocional da obra. Tsukushi opta deliberadamente por um ritmo narrativo que exige atenção e entrega, desafiando o leitor tanto pela complexidade emocional como pela intensidade visual. A sua arte é requintada, quase contemplativa, construída com um nível de detalhe que roça o obsessivo. Cada página é uma tapeçaria rica, onde até os mais pequenos traços — das rugas subtis nas expressões de dor aos brilhos efémeros nos olhos em momentos de alegria passageira — contribuem para uma atmosfera densa e, muitas vezes, sufocante. Este cuidado meticuloso com o visual contrasta de forma brutal com o conteúdo da narrativa, que não hesita em mergulhar em episódios de sofrimento extremo, perda, medo e desespero. A tensão entre a beleza plástica da arte e a crueldade do enredo parece cuidadosamente arquitectada, como se Tsukushi quisesse provocar no leitor uma espécie de desconforto estético: somos atraídos pelo visual, mas feridos pelo que ele revela. O resultado é uma experiência de leitura profundamente perturbadora, que permanece na mente muito tempo depois de virada a última página.

No entanto, apesar das suas qualidades, Made in Abyss continua a sofrer de um defeito persistente: o texto minúsculo dos balões. No entanto, enquanto atribuí a culpa à editora na análise passada, a verdade é que verifiquei que é uma escolha por parte do autor. Uma escolha que, na verdade parece-me um pouco parva. A decisão de enfiar diálogos densos e onomatopeias em balões microscópicos não é apenas uma peculiaridade estilística — é um verdadeiro obstáculo à acessibilidade. Por vezes, decifrar o que uma personagem diz parece uma prova de resistência ocular, que quebra a imersão emocional e transforma a leitura numa luta frustrante contra a própria página. Dado o quão exaustivo já é o conteúdo a nível emocional, esta escolha de design acrescenta uma fadiga desnecessária a uma história, por outro lado, magistralmente contada.

Made in Abyss 3

Em última análise, o Volume 3 é um triunfo de tom e tensão — uma viagem sem concessões ao coração sombrio do Abismo. É brutal, emocionalmente devastador e visualmente hipnotizante. E, como as melhores tragédias, merece admiração mesmo quando exige tempo de recuperação.

Nota: 6,5/10

 

António Moura

Um pequeno ser com grande apetite para cinema, séries e videojogos. Fanboy compulsivo de séries clássicas da Nintendo.

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