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Análise BD: EU MENTIROSO

Será esta a melhor altura para os leitores portugueses lerem ou relerem esta obra de Altarriba? Leiam aqui a análise a Eu Mentiroso.

Com certeza que vão levantar muitas questões se lerem este livro depois de ler o periódico do dia ou de assistir ao noticiário da TV. As notícias que acabaram de ver serão reais ou forjadas? A verdade é pura ou manipulada? E qual o papel da Inteligência Artificial (AI) nisto tudo?

Este último volume da “Trilogia do Eu” ou “Trilogia Egoísta” faz a ligação com os outros dois volumes anteriores e remata a coleção. O tom do livro continua a ser o negro tanto no guião que continua a ser um thriller, como na parte gráfica, com largas páginas cobertas a tinta negra. Tal como nos anteriores volumes, diversas zonas surgem com uma cor diferente, espalhando a tónica do título do livro. No primeiro o vermelho do sangue do assassino, no segundo o amarelo da loucura e agora o verde da mentira.

Mas este livro não é sobre mentira. É sobre sobrevivência no meio da política e do poder. Não por acaso, o protagonista na última página do livro, numa breve sequência de três vinhetas, pondera tornar-se um assassino, teme cair na loucura e finalmente decide utilizar aquilo em que é perito: a mentira, ou melhor dizendo manipulando uma verdade criada da forma que lhe convém. E mais importante ainda do que a sua mentira/verdade é a forma como utiliza a sua credibilidade.

É bem evidente que este livro foi criado para os leitores espanhóis, que podem facilmente identificar as personagens da trama da história, e fazer a ligação com os casos Bárcenas, Bitel ou Gürtel, mas infelizmente o guião não varia muito para outros países, em especial para este mesmo aqui ao lado.

Nos últimos tempos, os chamados casos e casinhos em Portugal, fazem-nos questionar onde está a verdade e qual é essa verdade, pois ela muda de dia para dia. Não só muda como por vezes desaparece como por magia, deixando de ser referida ser qualquer explicação para o seu desaparecimento. Não deixa também de ser curioso que os três personagens centrais dos três livros, estejam ligados aos sectores mais agitados nos últimos tempos na Península Ibérica. O primeiro é um professor, o segundo um médico e o terceiro um político. Três sectores que recorrentemente abrem telejornais.

Mas a capa do livro fez-me recuar no tempo e lembrei-me de uma imagem dos anos 80 sobre David Bowie. Bowie era chamado de “Camaleão do Rock” e no desenho que acompanhava o artigo, ele abria um armário repleto de máscaras. Na verdade Bowie criou e matou personagens em quase todos os seus discos e por isso conseguiu sobreviver quase 50 anos na crista da onda da indústria musical, fazendo as suas personagens navegarem ao sabor dos gostos e das modas de cada época.

Também o protagonista Adrián Cuadrado se refugia num quarto privado repleto de máscaras, para se inspirar nas decisões a tomar, até ao dia em que percebe que a mentira e a manipulação já fazem parte de si próprio e decide pura e simplesmente desfazer o quarto. Adrián tal como Bowie com a música, sabe que vai conseguir sobreviver durante muito tempo apenas fazendo o que faz melhor: mentir.

É verdade que o premiado “Primavera para Madrid” de Magius fala da corrupção em Espanha sem qualquer filtro, mas aqui os autores fizeram subtis alterações de nomes, mantendo dessa forma a fácil identificação dos personagens. Há mesmo algumas piscadelas engraçadas que nos tornam quase cúmplices dos autores. Rodriguez Ramirez, o protagonista do primeiro livro e que volta a aparecer neste volume, foi graficamente inspirado em António Altarriba. O nome do primeiro-ministro Godoy (Rajoy) não é mais do que verdadeiro apelido do desenhador Keko. E o presidente da Comunidade Europeia aqui ganha o nome de Jean-Marie Drunker (drunk = bêbado) e surge quase sempre de copo na mão. Todos recordamos as imagens de Jean-Claude Juncker aos tropeções, a ser agarrado por António Costa no fim da cimeira da NATO em 2018

O argumento de Altarriba liga várias histórias, aparentemente de forna confusa, mas que representam a forma tentacular como o poder político se estende por toda a sociedade. Estamos a falar de um estado democrata em que as pessoas podem expressar os seus votos de quatro em quatro anos, mas fora disso não têm qualquer possibilidade de questionar os políticos. A política tornou-se afinal um problema e não a resolução dos problemas da nação. O desenho denso e escuro de Keko, ajuda a criar este clima de perversão. Keko diz na brincadeira que se tornou “…o desenhador espanhol do Mal…”. Há realmente vinhetas muito bem conseguidas, mas também há outras que mais não são do que decalques de fotografias.

Com uma dinâmica de leitura muito densa, o nível de interesse por vezes sofre alguns tropeções por causa das histórias paralelas. Conhecer a realidade política espanhola entre 2010 e 2020 permite ainda ter outra leitura desta obra.

Livro em capa dura com excelente encadernação, com páginas em papel brilhante de boa qualidade e com excelente impressão. Preço normal para o tipo de livro.

Tempo de leitura:

  • Eu, Mentiroso – aproximadamente 1 : 45 hora

Altarriba diz que quis acabar esta trilogia com aquilo que é o mais perverso da parte negra da nossa sociedade actual. Neste livro ganham os maus. Têm todos os meios para ganhar! Mas são livros como este que podem fazer a diferença, levantar questões e alterar alguma coisa na nossa sociedade.

Eu Mentiroso

EU, MENTIROSO

António Altarriba e Keko
Editora: Ala dos Livros
Livro em capa dura com 168 páginas a cores nas dimensões de 22 x 28 cm
PVP: 24,90 €

ISBN: 978-989-9108-03-05
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