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Demolidor – O expoente máximo da cinematografia

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[Este artigo contém Spoilers]

Qualquer pessoa que me conheça minimamente ou que me segue nas redes sociais terá uma tímida noção da minha paixão pela série recentemente cancelada pela Netflix, Demolidor (Daredevil). Na verdade, é-me impossível removê-la do meu pensamento diário. As lições que tal obra de arte me ensinou, tanto a nível artístico como a nível psicológico e ético, irão perpetuar-se na minha personalidade até que Matthew Murdock seja incapaz de ouvir o meu coração. Embora já tenha publicado uma análise crítica relativamente à primeira temporada, sinto a imensa necessidade de me expressar sobre a magnificência de brilhantismo que poderá ter sido assassinada permanentemente do ramo da cinematografia.

Como refleti no meu texto de opinião em relação aos primeiros 13 episódios da série, a temporada 1 de Daredevil é uma introdução absolutamente perfeita para o universo cinematográfico da Marvel. Matthew Murdock, tal como Wilson Fisk, é afetado pela natureza atroz e perigosa do meio em que ambos habitam: Hell’s Kitchen. Matt, nesta primeira temporada, acredita que o seu trabalho de vigilante contribui para um propósito maior organizado por Deus, o que invoca, desde logo, uma penosa reflexão sobre a culpa católica que entra em conflito com a sanidade do homem comum. De facto, Matthew é caracterizado pelo seu extremo altruísmo e valoriza imensamente os laços de amizade que forma com Foggy Nelson e Karen Page. Contudo, como é visível ao longo da temporada, Matt não é capaz de gerir a vida dupla que o sufoca, e, portanto, dá início à destruição gradual do seu estado anímico, temática que é explorada ao longo do resto da série, através de inúmeras perspetivas. Por outro lado, Wilson Fisk adquire rapidamente o título de melhor vilão de sempre da Marvel e, na minha opinião, a terceira temporada sela o mesmo como o melhor antagonista da história da televisão e do cinema, chegando a ser superior ao Joker de Heath Ledger em The Dark Knight. Assim, o “rei do crime” é, tal como Murdock, atormentado pela infância traumática que lhe foi moldada pelo meio em que vive. Contudo, enquanto que Matt procura tornar esse mesmo meio num lugar melhor devido aos valores católicos que lhe foram ensinados no orfanato da igreja em que cresceu, Fisk usa as infraestruturas de Hell’s Kitchen para o seu próprio proveito, iludindo-se que também ele pretende melhorar a sua cidade. Efetivamente, Wilson apresenta este comportamento pois, tal como ele, o seu pai também pretendia adquirir uma posição de poder nas ruas de Nova Iorque para proveito próprio (embora também ele não fosse capaz de o admitir a si mesmo) e, uma vez que o Fisk assassinou o seu pai em defesa da sua mãe, é-lhe lógico desejar que a sua integridade seja melhor do que a do homem que lhe deu vida. É nesta temporada que é introduzida Vanessa, o interesse amoroso de Wilson Fisk, que vê nele um homem extremamente poderoso ao invés que Wilson se apaixona pela visão que aquela mulher tem sobre si, uma vez que o permite acreditar que os seus objetivos estão a ser devidamente cumpridos e que é, efetivamente, um ser superior ao seu falecido progenitor paterno.

Desta maneira, e acoplada de um enorme talento detrás das câmaras com imagens que poderiam ser estudadas durante várias horas numa aula de cinematografia e com um diálogo astuciosamente bem escrito, a primeira temporada de Demolidor realizou uma estreia absolutamente fenomenal e que abriu caminho para a introdução de duas fantásticas personagens na segunda temporada da série: Elektra Natchios e Frank Castle, sendo o último também conhecido como O Justiceiro. Estas duas identidades, embora bastante diferentes, catalisam a descendência da mente de Matt Murdock à depressão extrema. Com efeito, Frank Castle impõe em Daredevil a necessidade de questionar os seus métodos e se o homicídio é justificável para aqueles que apenas trazem o inferno aos que os rodeiam.

Matthew, embora tente desesperadamente agarrar-se aos seus ideais, aclamando que acredita na redenção da humanidade, reconhece lentamente que a linha que o separa de Frank Castle é cada vez menos nítida. Embora Murdock não tenha na sua natureza a capacidade de tirar a vida a um ser humano, a justiça de Frank Castle e a história da personagem, criam uma cicatriz claramente profunda na visão que o protagonista tem sobre o catolicismo e nas pessoas asquerosas que ele repetidamente se vê obrigado a deter. Por outro lado, Elektra Natchios, juntamente com Stick, uma personagem introduzida na primeira temporada e que se revelou ser o mentor e instrutor de Matthew Murdock, também deterioram os valores do diabo de Hell’s Kitchen, obrigando-o a aceitar o facto de que lhe é impossível manter a sua vida dupla e que terá, por essa razão, ceder da sua vida de civil e devotar-se a tempo inteiro a ser o herói que Nova Iorque necessita. Além disto, Elektra estabelece uma relação com Matthew e, uma vez que a mesma é também uma assassina como Frank Castle, Murdock e Elektra questionam-se sobre o quão aceitável será a ideia de abandonar a natureza dos mesmos em prol da pessoa que amam. Por esta altura, já deverá ser óbvio que tanto Frank Castle como Elektra contribuem para o derrubamento da identidade de Daredevil, criando nele um conflito cada vez maior e rabiscado.

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Esta dualidade interior da personagem de Matthew é carregada para a minissérie “Os Defensores”, que incluiu Jessica Jones, Luke Cage e Danny Rand (também conhecido como Punho de Ferro). A temporada única desta série inicia-se com um Matthew Murdock que, devido aos acontecimentos de ambas as temporadas anteriores, tenta, num último de desespero a favor da sua sanidade e do amor da sua vida civil, abandonar o manto de Daredevil. Todavia, como a personagem aprende ao sabor do tempo, é-lhe impossível negar a sua natureza e, por este motivo, rapidamente se vê obrigado a envergar o estatuto de vigilante enquanto que uma nova ameaça surge na metrópole que ele tanto adora. No final da segunda temporada, Elektra Natchios morre nos braços de Matthew mas, devido à entidade que ameaça ruir Hell’s Kitchen (e que é comum a ambas as temporadas), Elektra é trazida de volta ao mundo dos vivos, sendo desta vez uma inimiga de Demolidor. Este acontecimento cria um desequilíbrio ainda maior em Matthew dado que este se responsabilizava parcialmente por aquilo que lhe tinha acontecido. No último episódio, quando constatado novamente com a impossibilidade de salvar o amor da sua vida, Matthew sacrifica-se pela sua cidade porque o estado psicológico do mesmo tivera acabado de encontrar o seu ponto de rutura. Efetivamente, Matt apercebe-se nos últimos minutos de “Os Defensores” que, tal como todos o que rodeiam, é apenas um homem e como tal, também ele sente a necessidade de ser amado. Ora, quando confrontado com a necessidade de abandonar este bem uma segunda vez na sua vida que lhe tivera sido miserável, Matthew não hesita. Desta forma, Demolidor é dado como morto por todas as pessoas que o conhecem. Contudo, um desfortúnio ainda maior que a morte arrebate sobre Matthew Murdock: Ele foi capaz de sobreviver milagrosamente ao incidente que tirou pela segunda vez a vida de Elektra. Demolidor é encontrado na igreja que o criou, vivo, mas espiritualmente e fisicamente partido.

A terceira e última temporada a solo de Demolidor conclui fulminantemente os problemas colocados nas temporadas anteriores, recuperando a essência da personagem e renascendo a sua chama no meio do caos que o regresso de Wilson Fisk provoca. Neste último suspiro de genialidade artística, Matt afirma conhecer a verdadeira face de Deus e não acredita mais que tudo aquilo que fizera fora com algum propósito divino. Embora ele não abandone o seu trabalho de vigilante (uma vez que lhe é irrecusável), ele não trabalha mais com o objetivo de ser um Messias, isto é, Demolidor abandona a ideia de proteger a cidade com algum valor religioso superior. No ponto de vista de Matt, Deus existe, mas perante o choro das pessoas que à igreja imploram por ajuda, Murdock crê que a divindade não ouve… Deus não sente, Deus não se importa. Além disto, tendo verificado que o seu vigilantismo apenas trouxe a morte nas pessoas que amava profundamente (como Stick e Elektra), o diabo de Hell’s Kitchen compromete-se definitivamente a abandonar a sua vida como Matthew Murdock, aceitando para si o destino que Stick e Elektra lhe tentavam incutir na segunda temporada. Desta forma, através de uma demolição psicológica ao longo de vários episódios, o herói cego encontra-se completamente solitário, depressivo e afundado em ceticismo. Nesta temporada, são também ainda introduzidas duas personagens bastante relevantes para o simbolismo da mesma, sendo elas Benjamin Pointdexter e o agente federal Nadeem. Poindexter é claramente um antítese daquilo que Matthew Murdock representa na medida em que, apesar de ambos apresentarem uma infância traumática e carente de qualquer imagem paternal, Matthew é um homem altruísta que aparenta ser extremamente nocivo e egoísta para os amigos que ele tentou repetidamente afastar. Por outro lado, Ben Pointdexter é uma pessoa bastante egoísta e que se preocupa somente consigo mesmo, apesar de fornecer a ideia que é um cidadão preocupado com os outros pois trabalhou numa linha de prevenção ao suicídio e é um agente do FBI, trabalho que necessita para manter a sua fragilidade emocional controlada. Com efeito, até certo ponto, poder-se-á dizer até que Benjamin representa um possível futuro que Matthew poderia ter envergado caso não tivesse sido acolhido por uma instituição que lhe fornecesse estabilidade e segurança durante a sua infância. Enquanto Murdock sofre com vários conflitos interiores, o passado da personagem é novamente retomado na série e é claramente estabelecido um paralelismo entre Jack Murdock, o pai de Matthew, e o agente federal Nadeem. De facto, ambas as personagens falharam perante as suas famílias uma vez que permitiram que o crime organizado de Nova Iorque os colocasse em cheque à medida que os mesmos perseguiam feitos maiores nas suas carreiras profissionais. Tal como a família de Nadeem, também Matt aprende a perdoar o seu pai e a mãe que o abandonou e, através da ajuda incessante de Karen Page e de Foggy Nelson, Matthew Murdock recupera a sua fé cristã e ressurge das cinzas do seu passado. Tanto Karen Page como Foggy Nelson são dotados de uma enorme caracterização ao longo desta última temporada que catalisa a possibilidade de Matthew reparar que ele não é a única pessoa destruída interiormente e que somente com o apoio daquele que ama é capaz de se reerguer.

A série Demolidor é uma obra de arte. Ao longo de três temporadas, analisou-se temáticas de perspetivas sem precedentes na história do cinema e elaborou-se uma narrativa complexa, fluída  e constituída por personagens reais e relacionáveis. A arte morre quando o artista deixa de ser exigente com a obra que executa… felizmente, esta é uma das raridades onde tal nunca se verificou. Todos os responsáveis pela fantástica história que nos foi contada devotaram o melhor que tinham durante todos os segundos e, por esta razão, estou eternamente grato pela existência desta série televisiva que ninguém merecia.

“For me, personally, he spent many years trying to face my own fears… to understand how they enslaved me, how they divided from the people that I love… Council made a transcend in my fears, to be brave enough to forgive…. and see the possibilities of being a man without fear.”

José Diogo Correia      

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