TV: Análise – Demolidor Temporada 1
Demolidor foi a primeira série lançada em 2015 pela Marvel na Netflix e que deu origem a uma expansão do universo cinematográfico da empresa para o pequeno ecrã, sendo sucedida pela introdução das séries Jessica Jones, Luke Cage, Iron Fist, Punisher e Defenders.
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A temporada 1 de Demolidor conta a história de Matthew Murdock, um advogado nova-iorquino que sofreu um acidente quando era mais novo que, além de o tornar cego permanentemente, providenciou-lhe o aumento das suas outras capacidades sensoriais. A série trabalha assim, principalmente na primeira metade da primeira temporada, numa alternância entre analepses que remontam ao passado do protagonista e o tempo atual, onde contacta com Foggy Nelson, o seu colega de trabalho e melhor amigo, e Karen Page. Entretanto, Wilson Fisk procura, nas suas próprias palavras, restaurar a sua grande cidade, mesmo que para isso seja necessário que recorra à violência, ao suborno e à eliminação daqueles que o opõem.
Antes de começar a ver esta série, já sabia das elevadas classificações que lhe eram atribuídas e, uma vez que pessoalmente me encontro num estado de fadiga com o universo cinematográfico da Marvel nomeadamente devido à inexistência de riscos e à monotonia que nele existe, devo confessar desde já que, na minha opinião, Demolidor é o melhor produto que a Marvel alguma vez terá produzido de sempre. É melhor, de longe, do que qualquer filme do universo cinematográfico, uma vez que a sua narrativa é baseada em drama, mistério e em histórias de personagens, enquanto que os filmes optam por uma abordagem típica de um blockbuster de verão, tornando-os maioritariamente embaraçosamente esquecíveis. Por exemplo, ninguém é capaz de se lembrar da banda sonora de Homem-Formiga ou de Black Panther mas não existe nenhum fã da série que não se entusiasme quando a partitura assombrosamente linda da música principal se faz ouvir.
Pessoalmente, sempre gostei da personagem do Demolidor desde que era miúdo, ficava fascinado com as suas capacidades uma vez que, apesar de teoricamente ter superpoderes, ele é, efetivamente, somente um homem que está decidido a fazer a diferença na sua cidade que é, nesta série, retratada realisticamente. De facto Hell’s Kitchen, a zona da cidade onde a maioria da ação ocorre, apodrece pelo crime e a corrupção que nela subsistem… a caracterização da cidade é absolutamente brilhante e carente de qualquer filtração de autenticidade. Pode e deve ser interpretada como uma personagem viva na série e que molda os seus cidadãos que, por muito que gostem dela e nela viver, reconhecem o perigo que ela transmite. Demolidor é uma série que consegue, assim, refletir de uma forma que não é exageradamente negra, o lado horrível e impetuoso que cada um esconde, e que, por vezes poderá parcialmente recorrer para que os objetivos sejam alcançados.
Charlie Cox é o ator que interpreta a personagem de Matt Murdock e, sinceramente, o papel hoje é-lhe inegável. A sua talentosa e apaixonada atuação possui um leque enorme de emoções convincentes e torna a personagem muito mais próxima da audiência, e cria uma tensão adicional quando este se envolve nalguma luta. Aliás, a relação que o público estabelece com todas as personagens, até os vilões, que irei falar mais à frente, são surpreendentemente relacionáveis devido a uma escrita honesta e genuína e devido às atuações absolutamente espantosas. Vincent d’Onofrio oferece particularmente uma atuação digna de ser premiada enquanto Wilson Fisk.
Matthew Murdock é um homem católico que, nesta primeira temporada, revela-se confiante na sua tentativa de marcar a diferença nas ruas de nova Iorque. É evidente o ódio que ele nutre perante aqueles que deliberadamente provocam mal aos outros, independentemente do motivo que esteja por detrás. Ele acredita na lei e na justiça, é um homem do povo que, sendo religioso, valoriza a redenção das pessoas e que, talvez ingenuamente, acredita que esta seja acessível a todos. O seu passado revelado ao longo da temporada justifica todas as suas ações e os laços de amizade que estabelece surgem da sua natureza altruísta.
Quando comecei a ver o programa, nunca pensei que um episódio dedicado à amizade entre o protagonista e o seu melhor amigo seria algo que alguma vez quereria ver numa série de “super-heróis”, mas, sinceramente, depois de o assistir, não consigo voltar a aceitar algo inferior. Murdock é claramente, assombrado por uma vontade de ajudar e de salvar, seja o que for, do mal, do inferno, e, por vezes, isto leva a que o mesmo seja incapaz de gerenciar a sua vida como vigilante com as pessoas que lhe são queridas, tornando-o uma personagem credível. O seu conflito interior surge por motivos religiosos, algo bastante característico na personagem mas que, contrariamente ao que poderia ser previsto, não o torna aborrecido mas sim, único.
Wilson Fisk, também conhecido como o Rei do Crime na banda desenhada e em outras interpretações da personagem, é indubitavelmente atualmente o melhor vilão da Marvel. As suas motivações são o resultado do ambiente em que cresceu, Hell’s Kitchen, e a justificação para as suas ações baseia-se na sua incapacidade de aceitar a sua verdadeira natureza, enquanto Matt Murdock se compromete à sua sem hesitação. É um homem que vive iludido pelo aquilo que quer significar para os cidadãos da cidade e é por este motivo que arranja um meio de se aceitar como indivíduo perante as atrocidades que comete… acredita que a violência que provoca é em prol de um bem maior, particularidade também presente em Demolidor. Assim, a dualidade psicológica e física das duas personagens catalisadoras dos acontecimentos, é um dos aspetos de destaque e que elevam a série para um patamar nunca outrora alcançado.
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Além das personagens bem concretizadas, a cinematografia, principalmente nas cenas de ação, é fenomenal. A iluminação bem distribuída não provoca dificuldade em visualizar o ecrã, não existe nenhuma cena com cortes rápidos, a maioria dos movimentos técnicos são executados pelos próprios atores, não existem câmaras constantemente a abanar… Demolidor é o expoente máximo de uma cinematografia bem realizada e, depois de assistir, é impossível não verificar como outras produções do mesmo género são imensamente inferiores. No final do episódio 2, existe uma cena que revolucionou a forma como os realizadores de filmes atualmente procuram produzir as suas obras.
Portanto, aconselho vivamente a visualização desta série, mesmo para aqueles que não são fãs de super-heróis dado que a mesma procura estabelecer uma história com complexidade, realismo e drama, algo que parece cada vez mais parece ser negligenciado pelos filmes não só da Marvel como também da DC. Demolidor é, assim, o expoente máximo da Marvel e da Netflix em termos de qualidade.