Evil Dead II (1987) – O Génio Caótico que Definiu um Género
Quando Evil Dead II foi lançado em 1987, Sam Raimi tinha apenas 28 anos e já cultivava a reputação de enfant terrible do cinema de terror. O seu filme de estreia, The Evil Dead (1981), rodado com menos de 400 mil dólares e financiado em parte por amigos e familiares, tornara-se um fenómeno de culto, aclamado por Stephen King e perseguido pela censura britânica. Seis anos depois, e após o insucesso comercial de Crimewave (1985), o realizador decidiu regressar à obra que o lançou, não para uma uma sequela convencional, mas para desafiar o próprio formato e conceito de continuidade cinematográfica.
Impedido de reutilizar imagens do original por questões legais, Raimi reconstrói o início da história de propósito. O resultado é um prólogo quase caricatural, que serve simultaneamente como soft remake e ponto de partida para algo inédito. A estrutura familiar permanece – um homem, uma cabana e um livro amaldiçoado -, porém o trilho altera-se. O terror cru dá lugar à histeria, à comédia física e à inversão da própria lógica. Todos os elementos são manipulados com precisão e o artifício é celebrado ao invés de escondido.
O salto técnico mostra-se evidente. Com um orçamento de 3,5 milhões de dólares, foi possível aprofundar a ideia da câmara como personagem: desliza, inverte o olhar, persegue corpos e objetos como se de uma força maligna omnipresente se tratasse. O uso intensificado de planos acelerados e ângulos oblíquos capta a cabana tal qual um organismo vivo e extensão dos obstáculos que acometem o protagonista.
A fotografia de Peter Deming, agora mais refinada, conserva ainda a textura artesanal do original, enquanto os efeitos práticos, coordenados por Mark Shostrom, Greg Nicotero e Robert Kurtzman, se reforçam em personalidade: sangue em tons improváveis, stop-motion rudimentar e próteses óbvias. O filme assume-se como trabalho de construção manual e essa escolha faz toda a diferença.
Ainda assim, no meio do devaneio cuidadosamente encenado, é Bruce Campbell que se destaca como o elemento central. No primeiro, interpretava Ash Williams como um rapaz comum arrastado para o inferno. Neste, eleva-se tanto como o herói que o próprio sonharia ser, como produto do bizarro espetáculo que integra.
Simultaneamente trágico e sarcástico, vítima e palhaço, Campbell está completamente solto e a suar a camisola de forma ímpar. Este é o papel para o qual nasceu e a sua entrega, física, caótica e genuína, é o que sustenta um universo que vive de exageros. Cada gesto é coreografado, mas parece espontâneo; cada franzir de sobrancelha, cada grito, cada tropeço transmite a aura de cumplicidade entre a intenção do cineasta e a disponibilidade do ator para a personificar.
É por razões como esta que Evil Dead II continua a ocupar um espaço relevante no género. Ao filmar o macabro com o mesmo detalhe que outros registam o belo, e ao permitir que a comédia nasça do estranhamento, Raimi oferece uma lição sobre como conceber um filme que não se leva a sério, mas também não se menospreza. Quase quatro décadas depois, conserva um carácter singular e, sobretudo, honesto. É uma sequela que transcende o estatuto de curiosidade para se afirmar na dupla condição de clássico e testemunho de um realizador que encara o cinema enquanto ofício físico.
Classificação: 8/10

Fascinado por cinema desde cedo, começou pelas cassetes VHS de casa da avó e acabou a colecionar figuras de clássicos dos anos 80. Hoje, vê cada filme com a mesma curiosidade de então.



