Cinema: Crítica – Branca de Neve
Era Uma Vez Branca de Neve e os Sete Anões, o mais emblemático filme de animação da história do cinema. Uma obra-prima que encantou gerações e permaneceu intocável por quase 90 anos, sendo referência de inovação e magia. O seu legado parecia eterno, até que, numa nova era do entretenimento, o clássico filme de animação ganhou uma nova versão: uma versão em imagem real, transformada num musical, concebida para conquistar as novas gerações.

A origem
Branca de Neve e os Sete Anões lançado em 1937, foi a primeira longa-metragem de animação da Disney e revolucionou a indústria ao demonstrar que a animação poderia ser uma forma de arte sofisticada e financeiramente viável. O seu sucesso consolidou a Disney como um estúdio inovador e estabeleceu um modelo para futuras produções.
O impacto do filme foi imenso: recebeu um Oscar honorário em 1939 e permanece como uma referência técnica e narrativa. Inspirado no conto dos Irmãos Grimm, a adaptação suavizou elementos mais sombrios da história original e introduziu características que se tornaram padrão na animação ocidental, como a estrutura musical, a caracterização das personagens e o uso de técnicas cinematográficas avançadas. A estética do filme foi influenciada pelo expressionismo alemão, especialmente nas cenas sombrias do castelo da Rainha Má e da floresta, dando-lhe um tom visual único.

Durante décadas, Branca de Neve e os Sete Anões foi uma presença constante nas salas de cinema, regressando em sucessivas reposições que encantaram gerações. A cada nova exibição, o clássico reafirmava o seu impacto cultural, conquistando públicos de diferentes idades e mantendo viva a magia da animação pioneira da Disney. No entanto, desde a primeira metade dos anos 1990, o filme desapareceu dos cinemas portugueses, acompanhando a transição para novos formatos de distribuição, como VHS e, posteriormente, DVD.
Nessa época, as versões dobradas em português do Brasil ainda predominavam nos cinemas portugueses. Foi o fim de uma tradição cinematográfica, afastando Branca de Neve dos grandes ecrãs e tornando-a acessível apenas em soluções domésticas e das plataformas digitais.

“Espelo Meu, Espelho Meu, existe uma Branca de Neve mais bonita do que eu?”
A nova adaptação, realizada por Marc Webb, apresenta Rachel Zegler como Branca de Neve e Gal Gadot como a Rainha Má. A história procura equilibrar romance e aventura, enfatizando o desenvolvimento emocional da protagonista e dando-lhe um papel mais ativo. O ritmo da história é marcado por números musicais. Recorde-se, que, esta versão assume-se como um musical.
O Príncipe da animação original é substituído por Jonathan (Andrew Burnap), uma nova personagem que permite desenvolver os laços românticos.
Gal Gadot destaca-se como a vilã, trazendo carisma e imponência à Rainha Má, enquanto Rachel Zegler oferece uma interpretação que, embora modernizada, não atinge o mesmo nível de impacto da antagonista.

No meio das interpretações humanas sem carisma de Branca de Neve ou Jonathan, são os anões criados digitalmente que acabam por roubar a cena, trazendo leveza, humor e emoção à história. Os anões oferecem os momentos de maior ternura do filme, funcionando como o verdadeiro alicerce emocional da jornada de Branca de Neve. Ao misturarem humor e companheirismo, evocam a essência do clássico da animação, proporcionando o contraste essencial para elevar o tom mais sério da história principal.
Um dos grandes trunfos desta nova versão é o espectáculo visual, enriquecido pela direcção artística (mesmo parecendo – e sendo – artificial) e, especialmente, pelo guarda-roupa. O figurino ganha um papel essencial na construção da atmosfera do filme, destacando a opulência dos trajes da Rainha Má e a riqueza dos detalhes que remetem ao período histórico indefinido em que a história acontece.
A banda sonora de Branca de Neve foi composta por Benj Pasek e Justin Paul, conhecidos pelo seu trabalho em La La Land. A escolha da dupla espelha a intenção do estúdio de transformar esta adaptação num musical moderno, equilibrando a nostalgia das músicas icónicas do filme original, como Heigh-Ho (Eu Vou) e Whistle While You Work (Só Tens de Assobiar), com novos temas, incluindo Good Things Grow (Onde Reina o Amor), All Is Fair (A Mais Bela) e Waiting on a Wish (Um Desejo em Mim). As novas composições ilustram e complementam a abordagem narrativa do filme.
A escolha de Rachel Zegler para interpretar Branca de Neve está justificada no seu alcance vocal expressivo e do timbre que se encaixa no perfil de uma princesa clássica da Disney. (As qualidades vocais de Zegler não foram comprovadas na sala de cinema, dado ter-se assistido à versão falada em português).
Uma Reinvenção Necessária ou Apenas Outra Adaptação?
A nova versão de Branca de Neve distancia-se tanto do conto original dos Irmãos Grimm quanto da animação de 1937. As mudanças refletem a tentativa da Disney de adaptar as histórias para um público contemporâneo, mas também levantam questões sobre a identidade destas reformulações. Se, por um lado, a modernização da protagonista e o reforço do romance tornam a história mais acessível às novas gerações, por outro, há uma perda da simplicidade simbólica e do tom mais sombrio da obra original.
No final, este Branca de Neve tenta ser visualmente impressionante, com uma vilã marcante, mas que carece da ousadia necessária para se tornar memorável e emotiva. A película continua fiel à fórmula Disney, equilibrando nostalgia e inovação, sem se afastar do modelo comercial do estúdio, especialmente nas recentes adaptações para imagem real. A reunião de dois nomes conhecidos do público, um visual grandioso e uma abordagem narrativa que tenta oferecer algo a diferentes plateias pode atrair fãs da Disney, mas dificilmente garante que a “maçã continue a ser mordida” pelas próximas gerações.
Apesar das mudanças na história, o filme não resulta numa reinvenção ousada ou artística, mas sim pretende encaixar-se no padrão das produções Disney contemporâneas, priorizando bilheteiras e produtos licenciados. Esta abordagem pode agradar a quem deseja apenas uma versão em imagem real, mas sem grandes surpresas.

A nova Branca de Neve não é um fracasso, mas está longe de ser uma obra-prima. O seu legado será definido pelo tempo, mas, por enquanto, não passa de mais uma adaptação que, embora capaz de entreter, é incapaz de superar a magia do clássico de 1937. No fim, gerações de espectadores continuarão a celebrar e apreciar a magia insuperável da animação original. E Viveram Felizes Para Sempre.
Nota final: 6/10
Começou a caminhar nos alicerces de uma sala de cinema, cresceu entre cartazes de filmes e película. E o trabalho no meio audiovisual aconteceu naturalmente, estando presente desde a pré-produção até à exibição.