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Cinema: Crítica – A Vida de Chuck

A Vida de Chuck é um filme que celebra a vida com um tom poético, oferecendo uma visão diferente dos universos de Stephen King.

A Vida de Chuck

Adaptado e realizado por Mike Flanagan a partir do conto homónimo de Stephen King (publicado originalmente na coletânea Se Tem Sangue, que Flanagan já tinha utilizado para adaptar O Telefone do Sr. Harrigan para a Netflix ), não se trata de uma adaptação típica de King. Aqui não há palhaços sinistros nem hotéis assombrados; em vez disso, encontramos algo mais sereno e infinitamente mais profundo — uma meditação comovente sobre a vida, a memória e a coragem silenciosa de viver num mundo frágil.

Contado em ordem cronológica inversa e dividido em três actos, o filme acompanha momentos-chave da vida de Chuck Krantz — ou melhor, o eco da sua existência. Cada acto revela uma nova camada, começando com o colapso apocalíptico do mundo e terminando com o encanto da descoberta infantil. Esta estrutura invertida é mais do que um mero artifício narrativo; é um gesto filosófico que nos convida a repensar a forma como olhamos para uma vida: não a partir do seu fim, mas pelas impressões que deixa.

A Vida de Chuck

Tom Hiddleston comove no papel de Chuck, um contabilista reservado com um ritmo secreto na alma. A sua interpretação confere humanidade à personagem, especialmente na sequência de dança na praça de Boston — um momento tão carregado de emoção que certamente conquistará o público. A representação de Hiddleston sustenta o arco emocional do filme, captando com delicadeza a graça, a dor e a serenidade final de Chuck.

Mas também merece destaque Chiwetel Ejiofor, que interpreta Marty Anderson, um professor do secundário que testemunha o surreal colapso do mundo no Ato 1, tornando-se o elo de ligação do público com o espanto e o medo. Ao lado de Karen Gillan, no papel de Felicia, Marty empresta calor e emoção ancorada ao caos. As cenas entre ambos reflectem a tese do filme: mesmo quando tudo à nossa volta se desmorona, o amor, a ligação e os pequenos gestos de bondade continuam a ter valor.

A Vida de Chuck

O jovem Chuck, interpretado com encanto por Benjamin Pajak, inicia a jornada (do filme e da personagem) no mundo da música e da dança, enquanto Jacob Tremblay, como o Chuck adolescente, transmite uma energia nervosa e uma confiança emergente no capítulo final. As transições entre estas fases são naturais, oferecendo um retrato coeso de um homem em formação.

Os avós, representados com uma intimidade agridoce por Mia Sara e Mark Hamill, acrescentam mais uma camada de profundidade emocional. A musicalidade acolhedora de Sara contrasta de forma bela com a ternura assombrada de Hamill. A casa deles — em especial, a misteriosa cúpula trancada — funciona como o único elemento “assombrado” da história: um espaço metafórico, preenchido não por fantasmas, mas pela mortalidade e pelos medos não ditos.

A Vida de Chuck

Visualmente, Flanagan apresenta talvez o seu melhor trabalho até à data. As imagens do fim do mundo — a Califórnia a afundar-se no mar, estrelas a desaparecer, o mundo a esquecer-se de como respirar — são surreais, mas emocionalmente ancoradas. Estes elementos fantásticos não pretendem assustar, mas sim reflectir a erosão interior de uma vida que se aproxima do fim. Flanagan mantém a câmara atenta a monólogos e silêncios, permitindo que o filme respire, mesmo quando o universo prende a respiração.

Talvez o mais marcante seja o afastamento em relação ao terror habitual de King. Esta é uma fantasia existencial, impregnada de melancolia e gratidão. Fala-nos de como a alegria pode coexistir com a tristeza, de como a memória se transforma em legado, e de como uma só vida — por mais pequena ou silenciosa que pareça — pode ressoar através do tempo.

A Vida de Chuck

Em suma, A Vida de Chuck não é uma história sobre a morte. É sobre a vida — caótica, luminosa, fugaz — e sobre a forma como escolhemos vivê-la.

Nota: 8,5/10

António Moura

Um pequeno ser com grande apetite para cinema, séries e videojogos. Fanboy compulsivo de séries clássicas da Nintendo.

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