Análise: Crónicas de Enerelis volume 6
As Crónicas de Enerelis” emergem como uma saga de fantasia de grande ambição na BD portuguesa contemporânea.
Enerelis é apenas um dos três mundos paralelos à Terra, construído pelas forças opostas Nox e Aether, onde diferentes raças e seres mágicos coexistem. A série decorre num universo rico, com trama centrada em Eyren Caeli e os seus companheiros, que enfrentam ameaças profundas enquanto equilibram conflitos íntimos e batalhas épicas.
Patrícia Costa iniciou o processo de escrita em 2008, com inspiração em mangá e narrativa de fantasia, mas só em 2018 traduziu essas ideias para a BD, após formação em Arte Sequencial.
A construção do universo — soft worldbuilding — privilegia a história e personagens, enquanto os ambientes são refinados exclusivamente durante a adaptação para BD.
Serve uma fusão entre a estrutura narrativa tradicional e as exigências visuais do desenho sequencial, com layout digital mantendo a originalidade visual.
Com formação em Arquitectura e transição para a banda desenhada, Patrícia Costa ganhou prémios como o Concurso Nacional do Amadora BD (2018) e os XVII Troféus Central Comics por melhor obra curta.
Os quatro primeiros volumes — Prelúdio, Sangue, Sombras, Cicatrizes — receberam destaque e sucesso em crowdfunding, culminando no Volume 05, Ilusões, com 352 páginas, em edição padrão e limitada.
Destaco um arco dividido em três grandes partes. O Volume 05 introduz uma nova ameaça que testa as cicatrizes físicas e emocionais dos protagonistas, num crescendo de desafios mágicos e pessoais.
O Volume 01 introduz Eyren Caeli, com 12 anos, embarcando numa missão que o confronta com o passado.
Nos Volumes 3 e 4 (Sombras e Cicatrizes), aprofundam-se os dramas internos e o impacto das feridas, tanto no indivíduo como no colectivo.
O Volume 05 avança com o enigma das ilusões que ameaçam a frágil paz de Enerelis.
A série destaca-se por conjugar aventura fantástica com desenvolvimento psicológico e emocional das personagens. Há espaço para ação, mas sem negligenciar os dilemas e traumas dos protagonistas.
Como já referi anteriormente, a arte visual é inspirada no mangá, com um cuidado notável nos ambientes digitais, mantendo um trabalho artesanal. Isto reflete uma estética cuidada e rica em detalhes, favorecendo a imersão e autenticidade do worldbuilding visual.
O crowdfunding reforça a ligação íntima entre autora e público. As edições especiais (com extras, páginas a cores e brindes) adicionam valor e reforçam o sentido de comunidade.
Em relação ao Volume 6 – Asas, inicia o segundo arco da saga, dividido em 2 livros.
Após as intensas batalhas do primeiro arco, Eyren Caeli e o grupo retomam o seu treinamento como maegian, mas agora num cenário de reconstrução: as cidades renascem, mas as feridas interiores dos personagens mantêm-se.
Surge Tornskud, um mago misterioso que assume o papel de mentor, ensinando a Eyren segredos ancestrais sobre a magia dos seus kagii. A sua presença traz uma sensação de renovação para a narrativa, quase como uma masterclass para os protagonistas.
A suspeita de interesses ocultos enriquece a narrativa com uma camada de mistério e tensão.
Este mestre enigmático promete mudanças profundas na relação de Eyren com os seus poderes.
A estética mantém o traço mangá com páginas a preto e branco, mas com os primeiros sinais de evolução técnica que tanto me agradam.
As edições vêm em formato normal e limitado, esta com seis páginas de introdução e quatro interiores a cores — um brinde visual que ressalta o momento inaugural do novo arco.
O ritmo mantém-se equilibrado, sendo que o foco deixa a ação pura para explorar reflexões dos protagonistas, afinando o storytelling psicológico, após os momentos mais intensos do arco anterior.
Esta pausa estratégica ajuda o leitor a ligar-se mais profundamente às motivações e traumas, em contraste com o ritmo mais acelerado dos volumes 4–5. A narrativa é emocionalmente sólida e o equilíbrio na reconstrução psicológica interna e nos conflitos intersubjetivos enriquece o universo ficcional.
As distinções gráficas — era-luz, profundidade, cenários — continuam a melhorar, mostrando uma autora em constante aperfeiçoamento técnico, tanto no digital como na narrativa sequencial.
A introdução de Tornskud e o mistério em torno dos kagii prometem um desenvolvimento de poder mágico mais elaborado — preparando terreno para novos conflitos, crescimento e possíveis perigos.
Resumindo, o Volume 6 – Asas deixa-nos num ponto crucial: a reconstrução física de Enerelis serve de pano de fundo para uma reconstrução emocional profunda. O tom introspectivo, aliado ao surgimento de um mentor enigmático, cria bases sólidas para temas de magia ancestral, confiança e auto‑superação.

O Carlos gosta tanto de banda desenhada que, se a Marvel, a DC, os mangas, fummeti, comic americano e Franco-Belga fundissem uma religião, ele era o primeiro mártir. Provavelmente morria esmagado por uma pilha de livros do Astérix e novelas gráficas 😞 Dizem que cada um tem um superpoder; o dele é saber distinguir um balão de pensamento de um balão de fala às três da manhã, depois de seis copos de vinho e um debate entre o Alan Moore e o Kentaro Miura num café existencial em Bruxelas onde um brinde traria um eclipse tão negro quanto dramático, mas em que a conta era paga pelo Bruce Wayne enquanto o Tony Stark vai mudar a água às azeitonas.