Análise BD: Remina, de Junji Ito
É inegável que o criador japonês Junji Ito (n.1963) se tornou uma referência mundial no que toca ao universo Manga, sendo um autor de histórias de Terror que se destacou a vários níveis. A qualidade das suas histórias, que não são isentas de críticas à própria sociedade japonesa, destacam o papel e a força do paranormal que colocam em cheque tudo o que muitos julgam saber sobre os seus próprias sistemas de crenças e a sua existência.
O choque, o desespero e o desastre são fenómenos que se rendem a conceitos surrealistas, elementos grotescos e bizarros permeados pela obsessão e a loucura, conduzindo as suas personagens a tramas psicológicos intensos. Entre o muito que o autor explora não será surpreendente que seja comparado a H.P. Lovecraft (1890 – 1937) e é por isso que se aponta parte da sua obra criativa como própria das visões cosmicistas, isto é, dentro do género do Horror Cósmico.
Remina de Junji Ito é uma história de horror que obedece ao mesmo género que habitualmente apreciaríamos em Lovecraft, neste caso sendo uma série Manga publicada originalmente entre 2024 e 2025, focada no desconhecido, no pânico das massas e na fatalidade, com eventos absolutamente catastróficos dignos de ditar a destruição completa do nosso planeta e a extinção do Ser Humano.
Apesar de não estar ainda disponível em português de Portugal, o álbum de capa dura de 256 páginas editado pela Viz Media, traduzido para inglês, é altamente recomendável para quem gostaria de ler um dos clássicos obrigatórios de Ito. Pode mesmo servir de introdução à sua obra, que inclui os icónicos títulos das séries Tomie (1987 – 2000), Uzumaki (1998 – 1999) e Gyo (2001 – 2002.)
Na história de Remina assistimos à descoberta de um novo planeta por um astrónomo que o batiza precisamente com o nome da sua filha. A jovem atrai rapidamente a atenção dos média, tornando-se uma figura famosa. Mas a partir de então, uma série de eventos estranhos começam a surgir, originando o maior temor aos que assistem, incrédulos, à mudança de rota do misterioso planeta que subitamente se começa a aproximar de forma independente a alta velocidade do nosso sistema solar.
O presságio de destruição iminente consolida-se quando todos se dão conta que o planeta Remina se comporta como uma entidade maligna destrutiva que devora outros planeta do nosso sistema e se dirige para a Terra. A história adquire um rumo avassalador quando a maioria da população começa a focar-se precisamente na filha do astrónomo de nome Remina.
Quase todos acreditam que a jovem está relacionada com a catástrofe que se antevê e, a partir daí, surgem as inúmeras revoltas e a incapacidade das autoridades em gerir ou controlar o pânico social, levando a que Remina seja alvo de perseguição de pessoas que anseiam por matá-la ou sacrificá-lo, esperando com isso suster os impulsos destrutivos do planeta maligno.
Como seria de esperar, à medida que o planeta intruso se aproxima cada vez mais da Terra e se dá o surgimento de novos eventos trágicos e vários cataclismos, em que se assiste à abrupta queda ou falência da própria civilização humana, tomada pelo caos e o pânico, a história adquire contornos cada vez mais perturbadores. A hostilidade para com Remina, que serve de bode expiatório para tudo o que acontece de mau ou trágico, é crescente e custa-nos acreditar que a jovem poderá sobreviver às perseguições constantes.
Com todas as suas personagens mergulhadas numa onda de loucura e desespero, enquanto o planeta Terra começa a dar sinais de fortes distúrbios, com a eclosão de fortes terramotos e tempestades, tomamos a fatalidade como certa.
O clima de insegurança e desconforto explorado por Junji Ito em Remina é assegurado pelos cenários detalhados pelos seus desenhos a preto e branco, assinalados por contrastes marcantes, de imensa qualidade.
A sua fórmula repete a que encontramos noutras histórias, onde são evidenciadas paisagens aterradoras de absoluta hostilidade – sobretudo as que reconhecemos no planeta ameaçador, envolvida em elementos orgânicos incómodos – que dão lugar ao monstruoso, além da importância dada às expressões faciais extremas das personagens: Os estados emocionais reconhecidos nos olhares e nos rostos são por vezes exagerados, mas coerentes com a expressão do terror psicológico maximizado que é desejado pelo criador, que pretende ter impacto.
O inquietante promovido pela procura de sensação de perigo iminente torna-se desconcertante e, visualmente, essa sensação é naturalmente expressada pela arte de Junji Ito.
Como nada em Remina nos oferece certezas e estabelece bases de segurança, enquanto o horror deve ser sempre tomado como certo, podemos estabelecer que os seres humanos são representados como seres patéticos, incapazes de lidar com tudo o que escape totalmente ao seu desejo de controlo do incontrolável, com o seu destino já traçado por algo muito mais forte que escapa à sua completa compressão, reduzindo o seu lugar no cosmos a pouco ou menos que nada.

Fascinado por História da Arte e pelo Universo Criativo da Ficção, é um entusiasta consumidor de Banda Desenhada além de leitor assíduo de obras de Ficção Científica e de Terror, com particular predileção pelo Oculto e o Sobrenatural