Análise BD: Mafalda – Pequena Filósofa
A personagem Mafalda, criada por Quino (Joaquín Salvador Lavado), é uma menina de seis anos que, desde meados da década de 1960, questiona o mundo, a política, a guerra, a paz, os adultos e a sociedade em geral.
Quino “quinou” a 30/09/2020 (sempre quis fazer esta piada estúpida), mas deixou um legado magnífico de obras desta fantástica personagem.
A edição da editora Iguana oferece, entre outras compilações, volumes temáticos como Feminino Singular, A Pequena Filósofa e O Indispensável da Mafalda.
Aqui falo-vos sobre A Pequena Filósofa.
Visualmente, Mafalda possui um traço limpo e simples, com poucos elementos de distração. O humor nasce do contraste entre a “infância” aparente da personagem e a maturidade das suas reflexões.
A estrutura de tiras (geralmente de três ou quatro quadros) favorece o ritmo rápido e o punchline direto.
Em termos narrativos, Mafalda opera muito pela inquirição: ela questiona “porquê?”, “e se…?”, “mas isso faz sentido?”. Através de uma voz “infantil”, obriga-nos a ver o absurdo no mundo adulto.
Mafalda continua extremamente relevante. Já se afirma que “sessenta anos depois… estas tiras poderiam ter sido feitas hoje”.
Ela concilia humor e crítica social: guerra, política, escola, família, meio ambiente — tudo aparece num universo infantilizado que revela as contradições do mundo adulto.
No entanto, há uma crítica possível: apesar da sua atualização e universalidade, algumas tiras podem soar “datadas” ou ligadas à mentalidade latino-americana dos anos 60-70 (contexto argentino, Guerra Fria, etc.). O desafio para a edição portuguesa é garantir que o público contemporâneo compreenda o contexto original e não leia apenas como “humor clássico”.
O livro reúne as tiras mais “filosóficas” da Mafalda, ou seja, aquelas que destacam questões profundas como a paz, o papel da mulher, a escola, os pais, o planeta e a humanidade.
É editado pela Iguana em Portugal, em português, publicado em setembro de 2025, com 112 páginas, formato de capa mole e dimensão de 200×220 mm.
Esta edição permite ao leitor focar-se num recorte — o lado “filósofo” da Mafalda — em vez de percorrer toda a obra sem filtro. Isto facilita uma leitura orientada e mais profunda.
Embora seja de capa mole, as dimensões são generosas e o livro é equilibrado.
Como referido anteriormente, algumas tiras remetem para situações, mentalidades ou contextos da Argentina dos anos 60-70 (Guerra Fria, cultura latino-americana, etc.). Para o leitor português contemporâneo, pode haver alguma lacuna de “conhecimento de fundo”.
A edição poderia beneficiar de notas explicativas ou apêndices que contextualizassem alusões ou referências que já não são óbvias hoje — por exemplo, o papel da dona de casa, a sopa como metáfora ou a crítica à televisão e à propaganda. (Há bons artigos que analisam isso na obra de Quino.) Embora haja equilíbrio entre humor e profundidade, por vezes aquele punch cómico não surge de imediato e deixa-nos a refletir sobre o que é pretendido pelo autor.
A edição cumpre o propósito de dar à personagem o seu merecido destaque: Mafalda já não é apenas uma menina sarcástica, mas sim uma “pequena filósofa”. Isso eleva o estatuto da obra.
A edição A Pequena Filósofa da Mafalda representa uma excelente porta de entrada para observar a personagem sob um prisma mais profundo e reflexivo. Para quem aprecia banda desenhada que questiona o mundo, este volume é altamente recomendável.
Talvez não atinja o nível de “essencialíssimo”, apenas porque não cobre a totalidade da obra de Mafalda, mas, dentro do que se propõe, cumpre o seu papel de forma exemplar. Além disso, a editora disponibiliza outras obras da personagem.
A edição da Iguana de Mafalda é um excelente exemplo de como tratar um clássico da banda desenhada com cuidado, relevância e acessibilidade. O estilo gráfico-narrativo de Quino encontra na chancela portuguesa uma apresentação pertinente, com boa reprodução, organização temática e impacto sociocultural real.
Resta ao leitor — e ao editor — garantir que a obra continue viva no presente, não apenas como uma “relíquia de infância”, mas como um verdadeiro instrumento de reflexão crítica.

O Carlos gosta tanto de banda desenhada que, se a Marvel, a DC, os mangas, fummeti, comic americano e Franco-Belga fundissem uma religião, ele era o primeiro mártir. Provavelmente morria esmagado por uma pilha de livros do Astérix e novelas gráficas 😞 Dizem que cada um tem um superpoder; o dele é saber distinguir um balão de pensamento de um balão de fala às três da manhã, depois de seis copos de vinho e um debate entre o Alan Moore e o Kentaro Miura num café existencial em Bruxelas onde um brinde traria um eclipse tão negro quanto dramático, mas em que a conta era paga pelo Bruce Wayne enquanto o Tony Stark vai mudar a água às azeitonas.




