Análise BD: As Grandes Batalhas Navais: Lepanto
Lepanto é mais um álbum pertencente à coleção de As Grandes Batalhas Navais e em que o nosso já conhecido Jean-Yves Delitte se junta desta vez com o desenhador Frederico Nardo para nos contar a Batalha de Lepanto.
Através da perspectiva de personagens embarcadas nos eventos e baseadas numa investigação documental rigorosa, Delitte apoia-se mais uma vez nos recursos iconográficos do Musée National de la Marine e cadernos didáticos de historiadores para nos trazer à luz, os acontecimentos com algum rigor destas batalhas mas também alguma romantização dos feitos ou catástrofes.
“No final do Século XV, entendia-se que o mundo era um vasto território a descobrir. e mesmo que a navegação não seja ainda uma ciência, mas uma arte que envolve improvisação, o papado encoraja as potências cristãs a partilhar o mundo entre si. Mas a Europa cristã, que estava a sair das suas fronteiras, tinha pela frente o império Otomano, um crescente de territórios que se estendiam ao longo de todo o litoral mediterrânico.
A história das civilizações nunca foi um longo rio tranquilo. As relações entre a cristandade e o mundo muçulmano são, infelizmente, a imagem disso. Por razões obscuras, mais venais do que religiosas, numa batalha naval titânica que será travada ao largo da costa costa grega em 7 de Outubro de 1571, cristãos e otomanos vão tentar, cada um, fazer vergar o opositor. A luta será tão encarniçada que o azul-turquesa do mar ficará da cor do sangue.”
Após a humilhação grotesca que se dá na ilha de Chipre em Famagusta onde o governador veneziano é estripado pelos otomanos e colocado em cima de um cavalo já cadáver com palha a fazer de espantalho pelas ruas, o papa Pio V rejubila no Vaticano, com a notícia, pois fica a ganhar com a situação. Ou seja, deixa de haver desculpas por parte de qualquer coroa cristã em não dar apoio a uma guerra santa contra os infiéis, e a santa liga pode desfrutar de uma frota marítima potente o suficiente para derrotar o império Otomano.
Vindos de todas as partes, os venezianos descem do adriático, os genoveses de Tarento, os espanhóis de Messina, e mais de 200 navios de guerra começam a reunir-se em Corfu para a guerra. Lembrando que a França tinha algumas reticências em confrontos para seu próprio proveito comercial e Portugal fazia ouvidos moucos ao apelo da guerra também.
Lepanto é um porto , uma praça-forte que guarda a entrada ocidental do golfo de Corinto, e como os otomanos se costumam atracar lá, está escolhido o sítio onde se irá dar a batalha fulminante.
Numa batalha épica, a Santa Liga liderada pelo Infante D. João de Áustria vence os otomanos, afundando 62 dos seus navios e capturando 130, a vitória sorriu para a cristandade, que também teve as suas perdas, mas triunfou na sua estratégia ousada onde se serviram de espiões e pombos correio para perceber as rotas marítimas e o poderio militar com que se iriam defrontar.
Com efeito, se o próprio papado fez em tempos as duas maiores potências marítimas cristãs, portuguesa e espanhola, assinar tratados para evitar conflitos na descoberta de novos territórios, sendo que o oeste, denominado Índias Ocidentais pertencerá aos espanhóis e as índias Orientais aos portugueses, a ameaça era enorme por parte do Império Otomano pelo que era necessário que se fizesse guerra contra estes.
Falamos de um império que engloba o Magrebe, o Egito, a Península Arábica, a Mesopotâmia, a Palestina, a Síria, o planalto arménio, a Anatólia, as margens do Mar Negro e os Balcãs até as portas de Viena.
Esta guerra tinha que acontecer, ou a fé cristã poderia desaparecer. Deram-se, no entanto, o fim dos monopólios. Com combates sangrentos e muitas baixas de lado a lado, as dissensões entre os aliados que partilhavam a mesma ideologia religiosa, não tinham todos os mesmos interesses como de costume.
O projeto de reconquistar os territórios otomanos é abandonado, o que leva ao fim do expansionismo otomano sobre as águas do mediterrâneo, isso mais a descoberta de novas rotas marítimas para as índias e o lançamento de navios com melhores desempenhos.
A passagem pelo Oriente deixa de ser obrigação para fazer comércio com as índias orientais, o que marca o declínio também de Veneza e Génova.
Muito interessante como Delitte utiliza como homenagem nesta BD, o personagem Miguel de Cervantes, o célebre escritor de Dom Quixote, assim como o seu fiel escudeiro Sancho Pança e o seu amigo italiano que influencia a personalidade de Dom Quixote que aparece sempre com a sua armadura e tem um feitio irascível.
Delitte é competente a descrever os acontecimentos piscando então o olho à literatura, e o desenho de Nardo é de um estilo clássico franco-belga realista bem bonito que se adequa muito bem a esta temática. Abona a favor o formato grande do álbum com as vinhetas também sempre generosas para acentuar os cenários e o traço sedutor de Nardo.
Carece de algumas falhas a nível de arte-finalização, nomeadamente nos rostos dos figurantes ou na própria cenografia das vinhetas maiores e panorâmicas, mas aqui entra um trabalho fabuloso de coloração por parte de Roberto Burgazzoli que com as suas cores fortes e distintas, colmata e disfarça muito bem este défice de detalhe de Nardo.
A tradução do Comandante Ribeiro Cartaxo é mais um ponto a favor, para podermos usufruir de uma linguagem muito correta dos termos marítimos utilizados.
A edição é boa com capa dura, papel brilhante e de boa gramagem, a habitual desta coleção, no entanto pela primeira vez, tive duas páginas do centro que descolaram do miolo sem qualquer tipo de esforço, pelo que talvez seja necessário rever os acabamentos destas edições, pois o preço já não é propriamente uma pechincha para estes defeitos acontecerem.
Gostei bastante deste álbum, e é mais um título da mesma que a Gradiva tem editado a um excelente ritmo.