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Análise BD: A Bomba (Gradiva)

Um dos cuidados editoriais da Gradiva BD, tem sido a edição de livros com o intuito da divulgação científica e cultural naquela que é uma imagem de marca da editora, tal como referiu Guilherme Valente, editor da Gradiva, em entrevista ao administrador da Central Comics, Hugo Jesus.

Dentro desse espírito surge agora a obra em dois volumes “A Bomba” de Alcante, Bollée e Rodier, versando a fabricação da primeira bomba atómica.

Esta obra foi originalmente publicada em França em Março de 2020 num único volume com 472 páginas pelo preço de 39,00 €. Em Portugal o editor preferiu dividir a obra em dois volumes com pouco mais de 220 páginas ao preço total de 36,00 €, o que se entende conhecendo o mercado nacional e contrariando certos comentários de que pretendia aumentar a faturação. Mesmo em França o tamanho da obra não é consensual, tendo provocado comentários do tipo: 500 páginas? Prefiro comprar um romance do que uma BD!

Porém atualmente em França são comuns os álbuns integrais com recolhas de vários títulos de personagens icónicas da BD franco-belga, sendo, pois, vulgares os livros com 300/400 páginas. O mesmo não acontece aqui em Portugal, por isso é compreensível a decisão do Editor.

Os autores foram mesmo confrontados por diversas vezes com a proposta de transformar este trabalho em dez álbuns de 46 páginas, muito mais rentável tanto para eles como para a editora. Porém esta não é uma obra qualquer, e um dos seus grandes valores é, à semelhança de um filme de suspense, a constância do interesse na história, o que provoca uma leitura continuada, que não seria possível em dez álbuns a serem publicados ao longo de dez meses.

Para além disso este é um livro virado para um público um pouco mais adulto, um público que sempre leu banda desenhada na sua vida e que agora procura algo mais desenvolvido e não tão simples como as histórias de aventuras e mistério da juventude, tendo outro tipo de disponibilidade para a sua leitura.

Aplicam-se bem “A Bomba”, as palavras de Jean-Luc Fromental, autor e editor francês:

“A procura deste tipo de livros deve-se em parte à chegada de um novo público adulto que lia banda desenhada na infância. Mas outra grande causa desta ascensão é uma espécie de crise na literatura. O público, menos passivo do que se imagina, recorre então a uma ambiciosa história aos quadradinhos que percebe como mais autêntica.

Finalmente, todo esse fenómeno é amplificado por uma explosão de interesse dos meios de comunicação. Mas enquanto a banda desenhada está atualmente no centro das atenções, a importância do terreno que ela conquistou não deve ser exagerado. É apenas a mudança de algum público adulto e com poder de compra, para este género.”      

Partindo de uma ideia do belga Didier Swysen (verdadeiro nome de Alcante), marcado desde muito novo por uma visita a Hiroshima, e já depois de ter trabalhado com vários autores de sucesso como por exemplo Jean Van Hamme, em 2014 Alcante mostra uma sinopse do livro ao francês Laurent-Frédéric Bollée com quem já tinha trabalhado e que estava mais habituado a escrever romances gráficos.

Entusiasmado, este aceita colaborar e começam a procurar o desenhador ideal para este trabalho de fundo. Em 2015 o canadiano Denis Rodier entra para a equipa e completa o trio maravilha.

Entre 2016 e 2019

Alcante e Bollée escrevem o guião do livro, com a ideia do mesmo ser lançado em Agosto de 2020, coincidindo com o 75º aniversário do bombardeamento de Hiroshima. Por sua vez Rodier trabalhou quatro anos seguidos (2016/2020) em alto ritmo e sem férias, o que lhe permitiu fazer 16 pranchas por mês e acabar com 15 dias de avanço em relação ao prazo.

Rodier disse que se tinha inspirado nos trabalhos de Rip Kirby de Alex Raymond e nos de Terry e os Piratas de Milton Caniff, para uma boa disciplina, simplificação e qualidade de trabalho, pois aqueles autores eram obrigados a fazer seis tiras diárias e uma prancha dominical todas as semanas e sempre com grande qualidade.

Sendo um trabalho minucioso e detalhado, os autores colocaram um grande cuidado na fidelidade e veracidade tanto do argumento como da parte gráfica. Fundamental foi o apoio do físico Michel Decré, que ajudou no suporte científico de toda a obra. Bollée refere que uma cena de dez páginas, necessitou de três meses de trabalho quotidiano para confirmar toda a informação e verificar a fonte das mesmas.

Por esse mesmo motivo em 2018 os três autores reuniram-se pessoalmente pela primeira vez e viajaram até ao Japão para visitarem Hiroshima.

Aí para além da recolha de documentação, assistiram à cerimónia da evocação do bombardeamento, que os marcou a todos profundamente. Conheceram também familiares de várias vítimas, como foi o caso do guia que os acompanhou (Seiji). Rodier chegou a usar a foto do avô do guia para modelo numa das cenas e a mãe dele, com 90 anos, que viveu 15 anos na cidade antes da explosão e se encontrava no campo nesse dia, verificou todas as pranchas e comentou: “Hiroshima era mesmo assim!”

Por todos estes cuidados na garantia da qualidade de informação, os livros tornam-se muito autênticos na sua leitura.

Ao folhear os mesmos, chama logo a atenção que o estilo gráfico é uma mistura de vários estilos conhecidos, desde os comics americanos ao franco-belga. Não é por acaso que Rodier se queixa que os americanos dizem que ele desenha como um europeu e vice-versa.

A impressão de algumas páginas sem margens realça ainda mais a qualidade gráfica dos livros, criando uma subtil variação na leitura. Para além disso a utilização do preto e branco parece fazer uma ligação com os documentários da Segunda Guerra Mundial, maioritariamente assim filmados.

A dinâmica de leitura do texto é boa

o que não deixa de ser surpreendente ao falarmos de um tema tão complexo. Porém essa foi a ideia dos autores, tratar o assunto com a máxima realidade sem que a mesma se tornasse demasiado complicada e apenas contar uma história que mudou o Mundo, sem efetuar juízos de valor. O formato longo do livro, permite criar e desenvolver temas e personagens de forma mais trabalhada, mantendo o interesse de forma contínua como na leitura de um romance.

Para isso também contribuem os vários fios condutores paralelos que se vão desenvolvendo, intercalando as várias situações que ocorrem pelo Mundo, mas que tinham o mesmo objetivo: ser o primeiro a criar a bomba!

Mas o livro é também um alerta e apelo à consciência de todos. Nos anos 60 e 70, o terror nuclear não era uma moda era algo muito real, mas a memória é curta e as pessoas parecem já não recordar os receios que causaram os acidentes de 1986 em Chernobil e de 2011 em Fukushima. Com o conflito da Ucrânia aqui tão perto e as notícias diárias sobre os bombardeamentos junto às centrais nucleares, talvez estes livros ajudem a compreender a dimensão daquilo que está em causa.

Em França, a primeira edição foi de 14 500 exemplares que esgotou em seis dias. Atualmente, a edição francesa já ultrapassado os 120 000 exemplares e estão previstas um total de 17  traduções, algumas delas já publicadas. Para a edição norte-americana, o próprio Rodier está a fazer uma adaptação para incluir o cinzento no desenho, conforme exigência do mercado. Ou seja uma variante para os colecionadores europeus…

Neste momento a obra já ganhou oito grandes prémios e mais alguns menos conhecidos.

Livro em capa mole com boa encadernação, com páginas em papel baço de boa qualidade e com excelente impressão. Preço demasiado bom para a qualidade dos livros em causa.

Tempo de leitura:

  • A Bomba – aproximadamente 1 hora e 50 / 2 horas cada volume

Uma fantástica novela gráfica que pretende também ser uma obra de referência sobre o tema, à semelhança de Maus de Art Spiegelman sobre o Holocausto. A não perder, mesmo comprando um de cada vez ou os dois em conjunto!

A BOMBA – Volume 1 (No princípio era o nada) e Volume 2 (A sombra)Alcante / Bollée / Rodier
Editora: Gradiva BD
1º Volume – Livro em capa mole com 216 páginas a preto e branco nas dimensões de 21 x 28,5 cm
2º Volume – Livro em capa mole com 264 páginas a preto e branco nas dimensões de 21 x 28,5 cm
PVP: 18,00 € cada volume

A Entrevista Possível Com #16 | Guilherme Valente (Gradiva)

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