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Cinema de 1975: O Ano da Mudança

Assinalam-se este ano os 50 anos da estreia mundial de Tubarão, o filme que reinventou o conceito de blockbuster e mudou para sempre a forma como o cinema se exibe, se promove e se consome. A efeméride convida a revisitar 1975 — um dos anos mais marcantes da história do cinema — e a perguntar: será que 1999, com “Matrix”, “Clube de Combate” e “Beleza Americana”, ou 1984, com “O Exterminador Implacável”, “Paris, Texas” e “Amadeus”, conseguem rivalizar com a avalanche de invenção, choque e magia que tomou de assalto as salas nesse ano?

Tubarão

Enquanto 1984 (recordar aqui a análise ao ano) refletia um mundo distópico e 1999 preparava a viragem do milénio, 1975 foi o ano em que o cinema explodiu em todas as direcções. Foi o nascimento do blockbuster, a radicalização do cinema de autor, o apogeu da sátira, o escândalo sexual e a reinvenção estética.

Uma análise atenta revela que 1975 não foi apenas um grande ano. Foi um ponto de mutação — o momento em que o cinema mudou de pele, e ninguém saiu ileso. E em Portugal, a revolução de abril chegou ao ecrã.

Tubarão
Filmagens de “Tubarão”

Foi com Tubarão (Jaws), de Steven Spielberg, que se inaugurou uma nova era. Estreado nos Estados Unidos da América em junho de 1975, tornou-se um fenómeno global, quebrando recordes de bilheteira e reinventando o conceito de “filme de verão”. Com a icónica banda sonora de John Williams, a tensão crescente e o medo do invisível, Tubarão foi o primeiro grande blockbuster moderno — e o filme mais lucrativo da história até então.

No final do ano, Voando Sobre um Ninho de Cucos (One Flew Over the Cuckoo’s Nest), realizado por Miloš Forman, arrebatou público, crítica e Academia. Vencedor dos cinco principais Óscares em 1976 — Filme, Realizador, Actor, Actriz e Argumento Adaptado — o filme tornou-se um símbolo da resistência contra a autoridade opressiva, num país ainda marcado por Watergate e pela Guerra do Vietname. Jack Nicholson revelou uma das interpretações mais memoráveis da história do cinema.



Outro destaque nos prémios foi Alice Já Não Mora Aqui (Alice Doesn’t Live Here Anymore), de Martin Scorsese, com Ellen Burstyn a vencer em 1975 o Óscar de Melhor Actriz num retrato comovente de independência feminina.

Barry Lyndon, de Stanley Kubrick, foi inicialmente subestimado, mas a sua ambição estética e rigor técnico — filmado com luz natural e lentes tecnologicamente inovadoras — elevaram-no ao estatuto de obra-prima. Recebeu quatro Óscares técnicos e definiu o padrão para o cinema histórico.

Em registo oposto, Robert Altman assinava Nashville, um mosaico político e social da América pós-Vietname, nomeado a cinco Óscares e vencedor de Melhor Canção Original.

No campo da acção e do thriller político, Os Três Dias do Condor (Three Days of the Condor), de Sydney Pollack, destacou-se como uma visão paranoica da CIA e do poder oculto. Também Os Incorruptíveis Contra a Droga n.º 2 (a sequela de Os Incorruptíveis Contra a Droga) e Sangue Frio em Água Quente (The Drowning Pool) reforçaram o estatuto de 1975 como um ano rico em thrillers sombrios.

Frankenstein Júnior (Young Frankenstein), de Mel Brooks, estreado na Europa em 1975, homenageava com humor os clássicos do terror da Universal. Já Monty Python e o Cálice Sagrado (Monty Python and the Holy Grail) desconstruía o mito arturiano com sátira anárquica — e tornou-se num dos filmes mais citados da história do humor.

Outros exemplos do ano incluem Nem Guerra, Nem Paz (Love and Death), de Woody Allen, uma paródia filosófica com sotaque russo, e Mas Que Grandes Vigaristas (Let’s Do It Again), com Sidney Poitier e Bill Cosby, a combinarem comédia com comentário social.

A Torre do Inferno (The Towering Inferno) e Terramoto (Earthquake), ambos ainda a dominar as salas em 1975, consolidaram o fascínio pelo género catástrofe. Com efeitos especiais inovadores, estrelas como Steve McQueen e Paul Newman, e tecnologias como o “Sensurround”, marcaram uma era de adrenalina nas salas de cinema.

O cinema musical ousou como nunca em 1975. Destacando-se títulos como Tommy, de Ken Russell, baseado no álbum dos The Who, uma ópera rock psicadélica e visualmente delirante; e, The Rocky Horror Picture Show, que estreou timidamente mas viria a tornar-se num tremendo filme de culto.

The Rocky Horror Picture Show
The Rocky Horror Picture Show

Também Funny Lady, com Barbra Streisand, e Shampoo, com Warren Beatty, marcaram presença com fortes doses de glamour, sexualidade e crítica social.

Emmanuelle – A Antivirgem (Emmanuelle – L’ Antivierge) deu continuidade ao fenómeno erótico europeu iniciado em 1974, afirmando o erotismo softcore como género viável no grande ecrã. Entretanto, os ecos do escândalo de Garganta Funda (Deep Throat) continuavam a alimentar debates sobre pornografia, censura e liberdade de expressão. Outro caso controverso foi A Mundana Feliz (The Happy Hooker), que desafiava tabus sexuais com humor descarado.


A Europa e a Ásia ofereceram alguns dos filmes mais interessantes do ano, como Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles, de Chantal Akerman, uma revolução silenciosa que décadas depois seria considerado o melhor filme de sempre pela Sight & Sound; Dersu Uzala – A Águia da Estepe, de Akira Kurosawa, a resultar num épico de amizade e comunhão com a natureza, venceu o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro; Ou, Salò ou os 120 Dias de Sodoma, de Pier Paolo Pasolini, a provocar escândalo, censura e debates acesos pela sua violência alegórica sobre fascismo e poder.

Outros títulos notáveis de 1975, que reforçam a diversidade do ano, incluem: O Leão e o Vento (The Wind and the Lion), com Sean Connery e Candice Bergen, a misturarem aventura colonial com política internacional; O Regresso da Pantera Cor-de-Rosa (The Return of the Pink Panther), com Peter Sellers, reafirmando o sucesso da comédia slapstick; O Lutador da Rua (Hard Times), com Charles Bronson, sobre pugilismo durante a Grande Depressão; O Samurai do Oeste (The Master Gunfighter), um western revisionista, O Homem Que Queria Ser Rei (The Man Who Would Be King), com Sean Connery e Michael Caine  numa aventura épica sobre colonialismo e ambição; Segundos para Uma Fuga  (Breakout), com Charles Bronson e Robert Duvall; e Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon), de Sidney Lumet, que valeu a Al Pacino uma das suas interpretações mais celebradas.

Se para Hollywood 1975 significou o triunfo do marketing e do espetáculo, em Portugal o cinema viveu um momento histórico de libertação e militância.

A queda da ditadura e o fim da censura deram origem a um cinema filmado na rua, urgente e popular. Realizadores, operários e estudantes filmaram a Revolução em tempo real, dando origem a obras como:
As Armas e o Povo (realização coletiva): o mais emblemático registo da semana revolucionária; Continuar a Viver ou Os Índios da Meia-Praia, de António da Cunha Telles: uma crónica das ocupações de terras no Algarve; ou Que Farei Eu com Esta Espada?, de João César Monteiro: provocação filosófica e estética.

Em ano marcado pelo cinema documental, existiu ainda lugar para ver nas salas de cinema obras de ficção como:
Meus Amigos, em que António da Cunha Telles retrata as lutas estudantis e o desencanto da sociedade urbana no período que antecedeu a Revolução de 1974; Brandos Costumes, de Alberto Seixas Santos, um dos filmes mais célebres e comentados do pós-25 de Abril; ou Benilde ou a Virgem Mãe, de Manoel de Oliveira, a adaptação polémica da peça de José Régio, estreada a 21 de novembro.

Com a nacionalização da Tobis, o reforço do Instituto Português de Cinema e o surgimento de cooperativas de produção, nunca se produziram tantos filmes num só ano em Portugal — ainda que muitos nunca tenham chegado a estrear comercialmente.

 

Refira-se, que, apesar dos títulos internacionais mencionados terem estado nos cinemas em diversos países em 1975, era habitual que os lançamentos nas salas portugueses acontecesse meses mais tarde ou – em diversos casos – alguns anos depois.

Quais os seus filmes preferidos de 1975?

Ricardo Lopes

Começou a caminhar nos alicerces de uma sala de cinema, cresceu entre cartazes de filmes e película. E o trabalho no meio audiovisual aconteceu naturalmente, estando presente desde a pré-produção até à exibição.

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