Análise BD: Soichi – As Maldições Inconvenientes
Soichi é um rapaz muito incomum, absolutamente incompreendido e inadaptado, tanto dentro do contexto familiar como em ambiente escolar, tornando-se uma das personagens mais marcantes criadas por Junji Ito.
O autor explorou histórias diversas sobre a vida e o quotidiano de Soichi para conjugar o seu sentido de humor com o lado mais aterrorizante de um rapaz cuja personalidade antissocial conduz a eventos bizarros, acidentes inexplicáveis ou maldições geradas pela sua própria forma distorcida ou inadequada de ver o mundo.
A estranheza em Soichi serve mais de sátira do que uma expressão do terror que reconhecemos frequentemente noutras personagens: Reinterpreta o lado inverso da inocência de uma criança que se manifesta através do seu lado mais obscuro devido ao seu próprio isolamento, manifestando um completo egoísmo, anseio de fazer birra, desejo de manipular os outros e procurar formas impróprias de chamar a atenção, que por demasiadas vezes se traduzem em vinganças mesquinhas.
Ao contrário do que muitos poderiam esperar, Soichi não é apenas uma personagem intrigante e grotesca, bem ao gosto das criaturas e personagens insólitas (por vezes irracionais ou macabras) que reconhecemos habitualmente no trabalho de Junji Ito. Serve de caricatura a «personagens reais» que podemos encontrar ao longo da nossa vida.
Acontece durante a nossa juventude ou até com dados prolongamentos na nossa fase da vida adulta, mesmo em contextos de trabalho ou em convívios entre amigos — nem sempre saudáveis ou com tendência a azedar — quando reconhecemos os inadaptados do costume cujas atitudes refletem mais do que a necessidade desesperada de dizer «estou aqui» como revelam de forma inequívoca (e inconveniente) os problemas de infância nunca ultrapassados. O mitómano, o narcisista, o promotor de teorias de conspiração e o falso psíquico ou bruxo estão entre esses.
Mais do que histórias para jovens, o autor contemplou uma audiência adulta, mais perspicaz a reconhecer a subtileza por detrás dos jogos psicológicos perpetuados por Soichi.
Explora em profundidade o teor do tormento das crianças sós, dos pré-adolescentes solitários ou dos jovens alienados que, por efeito da incapacidade de integração pessoal ou dos mais próximos, terão tendência ao longo do resto das suas vidas a permanecer num estado existencial idealizado sobre as suas próprias capacidades altamente teatralizadas e fortemente exageradas como fórmulas inadequadas de tentar controlar o ambiente em seu redor, sujeitando os outros a possíveis sustos e humilhações que servem de espelho à negligência ou falta de estima que sentiram em fases criticas do seu próprio desenvolvimento psicossocial.
Soichi não compreende o mundo em seu redor, mas subverte-o ao perturbar quem o rodeia, explorando narrativas pessoais distorcidas para lidar com o peso do desafio que é aceitar o modo de ser dos outros ou a distância que estes preferem manter de si.
Como é óbvio, Soichi representa o indivíduo carente e desajustado cujos abusos são uma retaliação desproporcional aos que não reconhecem a sua suposta grandeza: Contrabalançando a sua sentida exclusão ou escassa admiração no seio familiar, procura mostrar-se assustador ou poderoso, recorrendo a truques macabros, elementos próprios do mundo sobrenatural e do campo da bruxaria para amedrontar quem pode. A sua excentricidade, que inclui andar constantemente com pregos na boca e cuspi-los a quem o rejeita, tempera o que tem de risível com o que há de perturbador.
Soichi é o único que se leva a sério, ainda que acabe por ser por demasiadas vezes vítima dos seus próprios excessos e partidas de mau gosto. Todavia, alguns dos seus planos podem ter consequências nefastas, deixando os outros inquietos e por vezes demasiado alarmados em relação à sua presença. Nunca é difícil associar Soichi a eventos inesperados ou aparentemente inexplicáveis, suscitando rumores que talvez as forças sobrenaturais com que o rapaz lida sejam mesmo reais e tenham de ser equacionadas.
Soichi: As Maldições Inconvenientes, foi publicado pela editora Devir, rendida ao trabalho marcante dos mangás de Junji Ito, mestre do horror (e da crítica social.)
Mais de 400 páginas a preto e branco com dez histórias aliciantes da personagem, traduzidas para português por Bruna Ogawa e Lídia Ivasa, prometem seduzir todos aqueles que procuram sempre saber mais sobre esta personagem, pretendendo saber até onde ela é capaz de ir para atormentar os outros.
O trabalho de adaptação das histórias de Soichi neste volume conta ainda com a edição do texto por Fernanda Vizcaíno, a legendagem de Susana Bolotinha, a revisão de Tomás Almeida, a adaptação gráfica por Ana Lopes e, ainda, a cooperação do diretor de produção Nuno Murjal e o editor Rui Santos.
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Fascinado por História da Arte e pelo Universo Criativo da Ficção, é um entusiasta consumidor de Banda Desenhada além de leitor assíduo de obras de Ficção Científica e de Terror, com particular predileção pelo Oculto e o Sobrenatural






