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Análise BD: Em busca do Tintin perdido

Será melhor ir em busca do Tintin perdido ou procurar na banda desenhada o que realmente nos faz feliz? Leiam aqui a análise do livro EM BUSCA DO TINTIN PERDIDO.

Eis uma obra que logo na sua capa nos dá várias pistas para o que vamos encontrar no interior.

Ao pegar neste livro, reparamos logo no seu título e na ligação com a obra de Marcel Proust, Em busca do tempo perdido. Uma das traduções para português do clássico francês foi feita pelo poeta Pedro Tamen, que afirmou sobre a obra de Proust: Aqui o que interessa é o facto de a vida, o mundo, o tempo, correr mais depressa do que nós, e no fundo só podemos descobrir o sentido disso quando o tornamos arte. E foi isso que fez o autor brasileiro Ricardo Leite, ao criar este Em busca do Tintin perdido.

Graficamente, é um livro excecional. O autor domina totalmente a representação da figura humana e utiliza o preto e branco não só para jogar com o claro/escuro de tantos ambientes, como também para fazer a ponte com a parte onírica do seu sonho que emana em todo o livro. Ao não utilizar a cor, Ricardo Leite transmite ao leitor uma homogeneidade em toda a sua viagem, seja ela interior ou exterior – viagem essa que foi a causa da criação desta obra.

Este livro é uma mistura entre uma biografia e uma cronologia da vida do autor. Para Ricardo Leite, é uma catarse, sobre a sua vida, sobre o seu divórcio, sobre o seu projeto de BD nunca concretizado. Ele não procura o seu Tintin perdido. Procura muito mais que isso. Procura a carta que Hergé lhe enviou, procura os desenhos que o mesmo autor enviou, procura os postais de Natal de Tintin que recebeu, procura a BD que nunca criou, procura curar as feridas do divórcio, procura uma resposta sobre a sua vida, sem saber se foi realmente perdida ou se afinal foi ganha ao fazer outro tipo de trabalhos gráficos.

O livro é todo um processo de descoberta. Foi uma tábua de salvação para o autor numa fase complicada, mas é também o livro da sua vida. É uma aventura pessoal que se concretiza ao fim de 30 anos sobre a forma de arte, como referia Pedro Tamen.

É ao mesmo tempo um tributo a uma grande panóplia de autores e heróis de vários quadrantes da banda desenhada que influenciaram de alguma forma o autor, com especial incidência no franco-belga. Esta é uma obra para um público específico, um público maduro que, ao ler a obra, identifica-se e recorda muitas das situações apresentadas.

Mas a leitura apresenta um problema para quem não tiver o conhecimento enciclopédico de Ricardo Leite. No final do volume encontramos um glossário de 11 páginas, onde estão identificados todos os personagens e locais retratados.

E aqui surge a pergunta: como ler este livro?

Página a página e ir vendo as referências no glossário, num pingue-pongue contínuo que quebra a leitura, mas que permite perceber todas as referências que o autor queria expressar em cada vinheta? Ou ler de seguida, perdendo muito do que o autor quer transmitir e mesmo não percebendo algumas referências? Seja qual for a primeira leitura, ficamos sempre a perder e só em leituras seguintes apreendemos a obra no seu todo.

Mas numa segunda leitura apercebemo-nos que a obra tem vários sobressaltos e algumas incoerências. Há, por vezes, partes que parecem ter sido acrescentadas quase à força, para mostrar a panóplia de tudo o que o autor quer homenagear. Numa entrevista, Ricardo Leite confessou que ao longo dos dez anos da criação da obra foram muitas as modificações que foi fazendo, com base nas visitas que fez, nos contactos que teve com outros autores e até nos contactos nas redes sociais. Talvez por isso se note que a continuidade da história sofre alguns abanões.

Também o glossário tem partes algo chatas e com insistentes conselhos de busca de obras. Mas este livro é para leitores que na sua maioria já conhecem as obras, e por isso este excesso de informação é desnecessário. Não haverá muitos leitores jovens e, mesmo se houver, quase de certeza não vão ler o glossário…

Ricardo Leite

quebra completamente com os códigos da linha clara, com desenhos e falas a passarem de vinheta para vinheta e com gravuras de página inteira ou mesmo dupla página, numa clara reminiscência do seu trabalho profissional. Algumas das páginas duplas podiam servir como capas de discos…

Inevitavelmente, num livro que fala de Tintin, a Moulinsart (sociedade gestora da obra de Hergé) tinha de deixar a sua marca. Assim, na edição francesa, as dez páginas da visita do autor ao Museu Hergé, bem como a capa, tiveram de ser modificadas. Isto apesar de a capa original ser a representação de um mural que existe numa rua de Bruxelas, bem à vista de todos. Felizmente a edição portuguesa não sofre do mesmo mal.

Ricardo Leite aproveita para apresentar uma resumida História da BD do Brasil, onde surge a referência ao português Jayme Cortez. Mas infelizmente parece conhecer de Portugal apenas os trabalhos de Eduardo Teixeira Coelho e José Ruy. 

No Brasil, a edição inicial deste livro foi feita por crowdfunding, e posteriormente saiu uma edição de formato mais pequeno e com capa mole, com muitos extras (fotos, entrevistas, críticas, etc).

Na edição portuguesa, verificam-se alguns erros na legendagem e também no glossário. Para além disso, com a mistura de termos e expressões que encontrei, fiquei sem perceber se estava a ler um livro em português de Portugal ou português do Brasil. Se calhar é brasileiro de Portugal…!

Livro a preto e branco, em capa dura com excelente encadernação. Páginas em papel baço de boa qualidade e com boa impressão. Preço justo para o tipo de livro.

Tempo de leitura:

  • Em busca do Tintin perdido – aproximadamente 2:30 hora

Esta é uma obra que, mesmo a preto e branco, é um monumento gráfico. No seu todo tem algumas falhas e é dirigido a um público muito específico. É principalmente dedicado a quem já passou metade da ponte da vida, e serve de prova que nunca devemos desistir dos nossos sonhos. Apesar de tudo, não me parece que Ricardo Leite tenha descoberto o porquê do insucesso das anteriores tentativas em criar uma BD. Mas isso agora já não interessa. A obra existe!

Ricardo Leite
Editora: A Seita

Livro em capa dura com 220 páginas a preto e branco nas dimensões de 21 x 28 cm
PVP: 26,00 €
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