Cinema: Crítica – Duna (2021)
Em 1984, David Lynch foi o realizador escolhido para adaptar para o grande ecrã o épico espacial Dune, baseado no livro da autoria de Frank Herbert, lançado originalmente em 1965. A sua produção já fora documentada anteriormente, mostrando a tamanha dificuldade da tarefa e todos os eventos subsequentes, entre eles o realizador a renegar a versão final original. Ainda que hoje o mesmo tenha um estatuto de culto, desta vez é Denis Villeneuve que traz para os cinemas a sua visão em Duna.
Num futuro muito, muito distante, Paul Atreides (Timothée Chalamet) é o jovem filho de Duke Leto Atreides (Oscar Issac) e Lady Jessica Atreides (Rebecca Ferguson), uma das principais famílias na galáxia, estes aceitam reinar sobre o planeta deserto de Arrakis, que está repleto de uma substância especial chamada spice, uma droga capaz de estender a expectativa de vida, oferecer níveis de pensamento sobre-humanos, entre outros poderes. Acompanhamos a vida de Paul como futuro herdeiro, numa guerra da qual ninguém está pronto para enfrentar.
Cobrindo cerca da primeira metade do livro em pouco mais de duas horas e meia, somos brindados por longas sequências, onde a noção de grandeza é nos imposta com uma belíssima cinematografia, frequentemente associada com o nome de Villeneuve. Desde cenas dentro de naves espaciais, a enormes planos de deserto, tudo está preparado para nos deixar boquiabertos, tudo acompanhado com a banda sonora de Hans Zimmer, que é igualmente épica.
Pelo meio, a narrativa apresentada pode demorar um bocadinho a introduzir-nos ao universo e às personagens, mas rapidamente nos deixa assentar com a multitude de personalidades. Constituída por um incrível ensemble, da qual inclui Jason Momoa, Josh Brolin, Zendaya e Dave Bautista, Javier Bardem, entre outros, é possível oferecer momentos distintos que desenvolvem a já enorme história de Duna.
Denis Villeneuve faz novamente aquilo do qual a sua reputação é feita, com uma realização impecável, sejam em momentos mais dramáticos ou com mais acção, tudo com um excelente balanço e de igual intensidade, elevando a importância na forma que a história é contada, nos diferentes cenários propostos. É de notar que tudo isto é aumentado ao ver o filme no maior ecrã possível, neste caso no IMAX, que contém diversas cenas que ao encherem o ecrã, enchem também os nossos olhos com esplendor.
Com isto, Duna é apresentado como a primeira de duas partes, sendo que até à data, a segunda parte está dependente da sua performance no box-office, uma decisão bastante bizarra, tendo em conta o contexto da sua narrativa. Isto chega ao nível de ser capaz de causar ansiedade naqueles que se apercebem que pode não haver uma conclusão a este épico, sobretudo porque é um filme que se sente incompleto no seu estado actual, com a esperança de a segunda parte seja anunciada o mais rápido possível. Seja como for, a visão de Villeneuve é uma que certamente será melhor aceite pelos fãs do livro original, como também ser uma brilhante introdução à obra de Frank Hebert.
Nota Final 9/10
Fã irrepreensível de cinema de todos os géneros, mas sobretudo terror. Também adora queimar borracha em jogos de carros.
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Se possível, assistam esse filme na maior e melhor tela disponível. Se, além disso, for possível ver em IMAX, vejam. Esta é uma daquelas obras à la O Regresso, Dunkirk e 1917 que, embora continuem boas se vistas em casa, ganham absurdamente quando visualizadas na melhor sala. Ver Duna em IMAX é uma daquelas experiências imersivas raras, onde a visão e, vale lembrar, o som, desempenham um papel essencial para tornar o agradável longa-metragem em um completo deslumbre.
Embora um leitor ávido, tenho de confessar; nunca li a obra original, do Frank Herbert. A única coisa que li foram dois textos diminutos, sem spoilers, com meia dúzia de informações para quem desejava conhecer um ou outro ponto antes de entrar no cinema. Minha curiosidade pela película se dava, em partes, por eu saber ser um clássico da literatura de ficção e, em parte, pelo diretor Denis Villeneuve que já fez obras como Sicário, Blade Runner 2049 e um dos filmes que mais amo: A Chegada. Em suma: entrei na sala sem spoilers da obra e quase virgem quanto aquele universo; e assim eu desejava, para compreender como o filme poderia funcionar como obra por si.
Dito isso, entram minhas considerações sobra a película em si: arrebatadora! Desde o início, eu compreendi que se tratava de um universo gigantesco, provavelmente muitíssimo maior do que o apresentado para mim. O deleite visual (algo que eu já esperava do Villeneuve) se uniu a uma experiência sonora absolutamente imersiva e funcional. E como fiquei feliz ao descobrir a assinatura do Hans Zimmer. Mas nem tudo se resumiu as tecnicalidades. Eu percebi, logo no início, o quanto a exploração daquela commoditie no deserto levava riqueza para um grupo, enquanto subjugava a população local, a despeito de outras possibilidades ecológicas de mundo – eu não ficaria nada chocado se descobrisse que o Frank Herbert tinha a exploração do petróleo em mente quando desenvolveu sua obra -. Mais do que isso, me ficou nítido o quanto a guarda dessa exploração e sua troca seriam usadas pelo imperador a fim de colocar em rota de colisão duas das maiores casas, de modo a garantir que nenhuma delas subjugasse seu poder. Também me foi nítido o quanto os Atreides, mesmo percebendo o cavalo de Tróia à frente, não poderiam se desprender de sua obrigação e, ainda, como tentaram uma comunicação com os locais, os Fremen, numa visão mais diplomática do que belicista. Além disso, muito me instigou qual o futuro do Paul e como suas habilidades, em parte herdadas pela mãe e sua doutrina que atua nas sombras, nos bastidores do poder, serão exploradas no futuro. Aliás, o filho do Duque me prendeu desde o início e saio instigado a saber mais sobre sua relação com a mulher de seus sonhos, numa belíssima atuação do jovem Timothée Chalamet.
Se há algo que eu gostaria de ter visto mais era justamente mais sobre a casa arquirrival, sobre o imperador, sobre essa “ordem religiosa” atuando nas sombras e, de modo geral, sobre as regras políticas que regem tal universo. Entretanto, eu entendo a decisão do diretor de não explorar tão a fundo tais questões, afinal, este longa é só a parte 1 de um projeto maior e tentar colocar tudo em tela poderia ser prejudicial, tornando a obra demasiadamente expositiva. Aprecio mais a apresentação do universo sem tanto didatismo a partir de uma situação mais episódica. Um ponto que pode soar controverso e, imagino, que não agrade a todos, é justamente o caráter contemplativo e o ritmo mais comedido. Pra mim, funciona absurdamente bem. Sou um expectador que prezo muito mais pelo mergulho num mundo novo, tomando tempo para isso, centrado no desenvolvimento de personagem, do que em batalhas mil regadas a CGIs sem fim (vide uma parcela absurda dos filmes de herói) usadas só para um entretenimento rápido e, não raro, esquecível.
Em suma: Duna me ganhou por completo. Sigo na curiosidade para descortinar a segunda parte e até mesmo para comprar os livros. Que a sétima arte nos agracie cada vez mais com espetáculos primorosos tal como esse!