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BD: Byrne e Cage – ausência visual e silêncio audível.

John Byrne

Quem cresceu nos anos 80 a gostar de BD de super-heróis era de certeza apreciador do trabalho de John Byrne nos X-MenFantastic FourCaptain AmericaHulk e Superman, entre muitos outras personagens de quem este prolífico autor ilustrou, e em alguns casos escreveu e arte-finalizou, as aventuras. Quase todos os meses nas revistas da Marvel da Editora Abril era publicada uma aventura desenhada e/ou escrita por Byrne, com o seu estilo dinâmico a meio caminho entre o foto-realismo de Neal Adams e a energia de Jack Kirby.[fbshare]

Uma das suas séries mais “estranhas” na Marvel foi Alpha Flight, uma equipa de super-heróis do Canadá – tal com Byrne que tem dupla cidadania: inglesa e canadense – criada em 1979 apenas para sobreviver a um confronto com os X-Men (Uncanny X-Men nº 120, 121) e dar mais corpo à origem de Wolverine, um personagem que Byrne moldou até se tornar o mutante mais popular até aos dias de hoje.

Alpha Flight 6

A história do grupo acabaria aqui se Jim Shooter não tivesse insistido na ideia de dar a Alpha Flight o seu próprio titulo. Como Byrne achava que os personagens eram uni-dimensionais resistiu em criar a nova série, mas por fim, e vendo que se não fosse ele, outro autor faria o trabalho, acabou por aceitar. E ainda bem que o fez: o nº 1 de Alpha Flight publicado em 1983 vendeu 500,000 mil cópias e era uma das séries que eu apreciava mais na altura.

John Byrne argumentou e desenhou o título até ao nº 28, ao mesmo tempo que argumentava e desenhava o Fantastic Four. A qualidade das duas séries atesta a qualidade, e rapidez, do seu autor e apesar de Byrne afirmar que esta é uma série à qual nunca deu grande atenção, para mim ela tinha algo de mais adulto, de mais sério que todas as outras. O crescendo nos argumentos até ao nº 12, com a morte de James Hudson e a exploração das suas consequências nos números seguintes fazem desta série, ou pelo menos os seus primeiros 28 números, essencial para qualquer apreciador de bons comics.

Mas foi no sexto número de Alpha Flight, publicado em Janeiro de 1984, o mês do Assistant Editors Month onde todos os comics tinham algo de diferente, que Byrne preparou uma “surpresa” aos seus leitores: cinco das dezasseis páginas que componham a história Snowblind não continham qualquer desenho, apenas legendas, balões de fala e pensamento e onomatopeias que vão relatando ao leitor a batalha, no meio de uma tempestade de neve, entre Snowbird – um dos membros femininos da equipa com ligações místicas ao solo canadense e filha da deusa Inuit Nelvanna – e uma das Grandes Bestas, Kolomaq.

Alpha Flight 06 pagina 10Alpha Flight 06 pagina 11Alpha Flight 06 pagina 12Alpha Flight 06 pagina 13Alpha Flight 06 pagina 14 e 15

Mas isto não quer dizer que estas páginas não continham imagens. Estas vinhetas em branco servem a narrativa simbolizando de modo muito efectivo, e único, a tempestade de neve e a cegueira temporária de Snowbird. Prescindindo de um elemento fundamental da banda desenhada, o desenho, Byrne consegue ainda assim através de elementos puramente gráficos, que incluem diversos formatos de vinheta, sugerir esses mesmos desenhos.

John CageAlgo de semelhante, com as devidas distâncias temporais e contextuais, criou o compositor John Cage em 1952. 4’33’’ é uma composição em três movimentos concebida para qualquer instrumento ou grupo de instrumentos e cuja partitura indica que o instrumentista não deve tocar o seu instrumento durante toda a duração da composição, precisamente 4 minutos e 33 segundos. Durante esse tempo o que o ouvinte percepciona é o som ambiente passando este a fazer parte da composição.

Sendo considerada por Cage a sua obra mais importante, reflecte na perfeição a sua ideia de que qualquer som, dependendo do contexto, pode ser transformado em música. A própria partitura original desta obra é peculiar pois não contém qualquer nota musical mas apenas a indicação dos três tempos da composição.

John Cage partituraAssim, Byrne, através do fluxo narrativo, leva o leitor a criar a sua própria interpretação, os seus próprios desenhos mentais e Cage, através do contexto, leva o ouvinte a participar da composição, configurando-se assim dois autores que, prescindindo de um elemento fundamental nas suas criações, respectivamente o desenho e o som dos instrumentos, conseguiram inovar nas duas artes, BD e Música, e levar o público a ser parte integrante como criador.

André Azevedo

Próxima crónica:
Sugestão de leitura: Metalzoic de Pat Mills e Kevin O’Neill, DC Comics, 1986
Sugestão de audição: Rrröööaaarrr dos Voivod, Noise Records, 1986

previews O Lobo Mau

3 thoughts on “BD: Byrne e Cage – ausência visual e silêncio audível.

  1. Muito interessante esta abordagem de Byrne. A composição do John Cage já conhecia, mas a abordagem de Byrne é igualmente interessante.

    Quanto ao Cage ele teve esta ideia depois de visitar uma câmara anecóica na Universidade de Harvard. Na procura de ouvir o silêncio absoluto, o que acabou por não acontecer.

  2. Byrne ainda votaria a usar o truque das paginas brancas na She-Huk (Mulher-Hulk) aonde ela conversa com os leitores.

  3. Loot,
    Obrigado pela informação adicional.

    Manuel,
    Não é tanto, ou mesmo nada, um truque mas sim uma opção narrativa.

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