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Análise BD: ANNA NA SELVA – Uma obra de Hugo Pratt.

As releituras das obras de Hugo Pratt são sempre uma descoberta. Mas a leitura desta reedição da Ala dos Livros foi uma mão cheia de descobertas. Leiam aqui a análise do livro ANNA NA SELVA.

Tal como muitos leitores em Portugal, descobri Hugo Pratt através de Corto Maltese, na edição portuguesa da revista Tintin. Lembro-me bem da polémica que envolveu o aparecimento desta e de outras personagens, com histórias mais adultas e argumentos mais densos, fora do habitual esquema das histórias de aventuras ou de humor.

Para além disso, estávamos em Março de 1975, em pleno período revolucionário em que as descobertas eram muitas e diárias. E Corto representava essa liberdade recentemente conquistada, que fazia sonhar todos os jovens portugueses.

Corto Maltese conquistou o seu lugar no panteão dos heróis de BD em Portugal, e os leitores partiram à procura de outros trabalhos de Hugo Pratt. Uma das suas obras foi Anna na Selva.

Esta é a primeira obra integralmente criada por Pratt. O autor vai criar os quatro episódios que compõem esta obra entre 1959 e 1962, e a primeira publicação de cada um deles é feita a preto e branco – primeiro na Argentina, depois em Inglaterra e os dois últimos de novo na Argentina, numa tão típica demonstração do trota-mundos que Pratt era.

Aproveitando a sua vivência em África, com um desenho totalmente inspirado em Milton Caniff, Hugo Pratt cria quatro aventuras, nas quais dois jovens, Anna Livingstone e Daniel Doria, vivem peripécias dentro do típico espírito aventureiro e colonialista das bandas desenhadas dessa época. Porém este livro fica famoso por nele surgir a personagem Tipperary O’Hara, que mais não é do que o ensaio da personagem Corto Maltese.

A Anna que vemos na página 10, num desenho de página inteira, é na verdade Anne Frognier, uma das mulheres de Pratt, com a qual teve dois filhos. Pratt conhece Anne na Argentina em 1954 quando ela tem dez anos. Anne é uma morena de origem belga e vizinha do desenhador.

Cinco anos depois em 1959, ela vai servir de inspiração para Anna na Selva e em 1964 casam os dois em Veneza, casamento que dura no papel até 1981. Apesar de todas as aventuras amorosas do autor, Pratt virá mais tarde reconhecer que foi com Anne Frognier que viveu mais tempo do que com qualquer outra mulher.

Publicado em Portugal pela Meribérica em 2001 e já há muito esgotado, este livro foi agora reeditado pela Ala dos Livros na Colecção Obras de Pratt .

Tive curiosidade em comparar a atual edição com a anterior e aproveitei para comparar as duas com a edição da Casterman de 2001, que serviu de base para a edição da Meribérica.

E nunca pensei encontrar tantas diferenças entre três edições do mesmo livro.

A primeira coisa que todas têm em comum, é que infelizmente se tratam da versão colorida pela viúva de Pratt, Patricia Zanotti, o que retira parte da força do traço do autor. A outra coisa comum é que todas têm um prefácio de seis páginas da autoria de Renato Gaita. O formato dos três livros é aproximadamente o mesmo. Mas depois começam as diferenças mais significativas.

A edição da Meribérica reproduz quase totalmente a edição da Casterman, exceto que o capitão do navio tem o nome de Luca Zane, um veneziano, capitão do Vanità Dorata, nomes que só surgiram em Maio de 1963, aquando da publicação dos episódios no Corriere del Piccoli em Itália. Na versão original de 1959 e na da Casterman, o capitão chama-se Tipperary O’Hara, é irlandês e o seu barco é o Golden Vanity.

Ou seja a edição portuguesa, apesar da indicação no início do livro, não segue fielmente a edição francesa, sendo uma mistura entre aquela e a edição italiana. Para além disso há também a utilização de expressões que não surgem na edição francesa, como seja o caso do termo “buana”. Na verdade, “bwana” é uma palavra swahili, que significa “chefe” ou “patrão”. Foi um termo tornado popular pelos filmes de Hollywood e atualmente já não é muito usado, por ser considerado pejorativo e colonialista.

Mas a edição da Ala dos Livros ainda consegue ser mais diferente da francesa. Aparentemente a tradutora não é a mesma nas duas edições, mas o texto é praticamente uma cópia da anterior edição, mantendo as designações italianas do capitão e do barco.

Mas o que é mesmo estranho é que no primeiro episódio, quando Anna conhece Daniel Doria, na versão da Ala dos Livros, o texto e o sentido do conhecimento dos dois jovens é completamente alterado, sem razão aparente. O termo “buana” continua a ser exclusivo das edições portuguesas, mas houve o cuidado de alterar a designação de “selvagens” para “indígenas”.

Mesmo com tantas alterações, é um livro que se lê como uma curiosidade, um livro datado e que é espelho de uma época e duma Europa colonialista. Um livro que é mais para fãs e colecionadores de Hugo Pratt, não sendo das obras mais significativas do autor, tanto a nível de argumento, como a nível de desenho.

Livro em capa dura com boa encadernação, com páginas em papel brilhante de boa qualidade e com boa impressão. Preço normal atendendo ao tipo e tamanho do livro.

Tempo de leitura:

Este é um livro para colecionadores e curiosos em descobrir a obra de Hugo Pratt. Apenas isso.

Anna na Selva

Hugo Pratt
Editora: Ala dos Livros

Livro em capa dura com 120 páginas a cores nas dimensões de 24 x 32 cm
PVP: 29,90 €

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