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Cinema: Crítica – Suzume

As últimas duas décadas, no que toca a produções cinematográficas de animação japonesa, já contam com uma mão cheia de nomes soantes com portfólios recheados. Leiam aqui a análise a Suzume.

Suzume

Os quais se destacam para lá de toda atenção (merecida) que o estúdio Ghibli traz em torno de si dentro da animação nipónica. Ainda que discutível, um dos realizadores desta nova geração, com grande destaque (senão o maior), é Makoto Shinkai. Um nome de peso que tem vindo a conquistar e a expandir o anime em formato fílmico para as salas de cinema de todo o mundo.

Suzume

Duas das suas mais recentes longas-metragens foram êxitos, tanto comerciais como de apreciação por parte da crítica e do público, em particular, Your Name (2016), responsável por consolidar definitivamente Shinkai como um peso pesado na indústria japonesa. Com tamanha responsabilidade e expectativas em cima, no final do ano passado chegara o tão aguardado novo projeto do cineasta, produzido pela CoMix Wave Films, que só conseguira chegar a Portugal pela distribuição internacional, através do conjunto Crunchyroll e Sony Pictures, agora em pleno 2023.

Suzume

Com alguma surpresa, Suzume que se apresentava como mais um romance habitual de Shinkai, revela-se enquanto uma obra mais densa do aquela que aparenta ser à superfície. Indo além da simples conexão amorosa entre dois jovens de realidades dispares, para tocar numa ferida do passado recente japonês, da catástrofe sísmica de 2011, entrelaçando pelo meio uma mensagem de esperança quanto ao futuro. Indo de encontro à narrativa, a protagonista que dá nome ao filme, vive uma vida pacata com a sua tia em Kyushu, quando certo dia dá de caras com Sota, um jovem misterioso que procura informações acerca de ruínas abandonadas naquela região.

Suzume

Na curta interação com este último, rapidamente lhe captou os sentidos, o suficiente para Suzume, num ato de impulso, o seguir. No entanto, a mesma acaba por ser envolvida numa corrida contra o tempo, para ajudar Sota a selar inúmeras portas espalhadas pelo Japão, na tentativa de assim salvar a região de potenciais consequências catastróficas de uma ameaça iminente. E como se não bastasse Sota é transformado numa cadeira com apenas três pernas, o que não só complicará a viagem pelos vários pontos de urgência, como proporcionará os momentos mais bem humorados do filme.

O desenrolar da narrativa é comum àquilo que já foi trabalhado pelo mesmo realizador, e também no género: da jornada de crescimento (coming of age) de Suzume assente no recorte de momentos do seu dia-a-dia (slice of life) enquanto busca entender, pela urgência da situação, toda uma mitologia de fantasia que fora apresentada através Sota e das portas mágicas. Fantasia esta que é abertamente inspirada numa das maiores influências, publicamente admitidas, de Shinkai, o já mencionado estúdio, responsável por clássicos como Spirited Away (2001). Um feito que o próprio já havia trabalhado em Children Who Chase Lost Voices (2011), algo que aqui é resgatado, embora em menor grau, ainda assim importante de ressalvar.

Suzume

Isto contribuiu para criar, tanto um mundo apelativo conceptualmente, desde vai desde criaturas sobrenaturais a mitos do folclore japonês, como visualmente. Sendo este o mais bem conseguido filme do cineasta, em todos os elementos do departamento gráfico, fazendo boas misturas entre a animação tradicional e a modelagem em 3D. Essa excelente impressão positiva é amplificada pelo facto de existir sessões em IMAX, cujo o formato dá toda uma nova vida àquela que já é, por si só, uma animação de luxo para os padrões de um anime no formato cinematográfico. Aliado à banda sonora composta pela banda de rock japonesa Radwimps, cuja colaboração com Shinkai no passado já se havia provado um sucesso, e a mesma proeza é aqui repetida. Não só nas faixas instrumentais, nos momentos mais épicos e de maior tensão, como nos mais relaxados e até emocionais perto do clímax, ficando o destaque para a música principal, Suzume e para Kanata Haluka

Suzume
SUZUME_ONLINE

Todo este enquadramento positivo, não torna Suzume uma experiência isenta de falhas. Por se tratar de uma narrativa que demora o seu tempo assentar no trilho certo, o primeiro ato acaba por se sobressair pela negativa, na medida que destoa do ritmo e desenvolvimento das personagens no restante filme. Mais, muitas das perguntas que naturalmente vão surgindo à medida que o conflito narrativo se intensifica, não lhes é dada o devido embasamento, por exemplo, quanto àquelas que são as motivações da personagens, nomeadamente de Sota. Ainda que os diálogos ajudem a retirar algumas nuances das entrelinhas do guião, Shinkai opta por entreter o espetador pela forma, não o fazendo questionar a substância, senão aquando das revelações finais.

Esta opção na execução da história, fez-me sentir um sentido de aquém, de que mais poderia e deveria ter sido dito quanto ao conceito fantasioso, e respetivas regras, que o choque de Suzume com Sota traz. Mesmo até ao nível das personagens secundárias, tirando as que servem um propósito especifico como o excêntrico Tomoya, amigo universitário de Sota, outras cruciais para a história, como o conflituoso gato falante Daijin ou o sigiloso avô do companheiro de viagem de Suzume, deixam além de muito a desejar ao nível de desenvolvimento, ainda mais perguntas no ar. É por isso uma narrativa profunda na mensagem, que contrasta com a pouca profundidade de worldbuiling que fica por explorar e explicar. 

Contudo, é de louvar a tentativa por parte do cineasta japonês em executar algo diferente do habitual, colocando até o romance em segundo plano, tentado, assim, distanciar-se da crítica frequente, de que todos os seus filmes seguem uma mesma estrutura de personagens e de formato narrativo. Em jeito de conclusão, e colocando essa discussão de parte, no final, Suzume termina com um saldo bastante positivo. É aquilo que os fãs do trabalho do realizador esperam, e um bocadinho mais. É uma ótima experiência que deve ser vista na sala de cinema, não só pelos apreciadores de anime, mas também pelo público casual, que claro terá um prato cheio repleto de sentimentos fortes do início ao fim. Cada espetador terá algo a dizer e a refletir quanto àquilo que presenciou ao longo da viagem emocional que é o filme Suzume, que dificilmente deixará alguém indiferente. 

Nota Final: 8/10

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