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Jogos: Análise – Freezer Pops (Nintendo Switch)

Pelas mãos da eastasiasoft chega-nos Freezer Pops, um romance visual gay criado pela produtora brasileira Male Doll Studio que, estando previamente apenas disponível na Steam, encontra agora um lugar na Nintendo Switch.

A representatividade da comunidade LGBTQIA+ nos jogos é sempre bem-vinda, mas nem sempre os mais apetitosos gelados são os mais saborosos.

Freezer Pops conta a história de um rapaz, Alexandre, que decide vender gelados na praia para conseguir pagar a renda. Pelo caminho conhece dois rapazes, Anderson e Fernando, abrindo as portas para dois possíveis romances.

E para quem já está a subir o cursor do rato para fechar este separador, não se deixem enganar – Freezer Pops não é só um romance. É também um thriller bastante inesperado que esconde toda uma conspiração no negócio dos gelados da praia. Sim, a sério.

Grande parte das 2 horas que perfazem a história de Freezer Pops será passada a ler. O jogo oferece muito pouca possibilidade de controlo sobre o desenlace da história, sendo a escolha de em qual rapaz investir a única decisão relevante.

Esta decisão leva a um caminho onde, dependendo da resposta a 5 momentos-chave do jogo, é desbloqueado um dos quatro finais disponíveis. Os desenhos são bonitos e algumas das situações são relativamente interessantes, no entanto, são inúmeras as ocasiões em que a história está a avançar e estamos perante um cenário entediante, apenas a ler, ou pelo contrário, situações em que as imagens mostram algo que ainda não lemos mas que claramente está para chegar.

É estranho ler constantes descrições sobre o sorriso lindo do Fernando ou os olhos simpáticos do Anderson enquanto olhamos para uma sala vazia ou uma televisão apagada.

Falando da escrita, a história não é particularmente interessante. O Alexandre, embora simpático, não é um narrador muito dimensional. Tudo parece muito mais superficial quando todas as reacções, sejam a rapazes bombados na praia ou a traficantes de droga, são clamores do tipo “Oh my Gaga”.

Os pretendentes, Anderson e Fernando, são bastante mais carismáticos (e talvez seja esse o objectivo, embora seja frustrante à mesma controlar uma personagem sem personalidade), no entanto foi uma desilusão gigante perceber que, independentemente da escolha entre os dois, a história decorre exactamente da mesma forma, com alguns dos textos inclusivamente a repetirem-se.

Freezer Pops é, assim, ainda mais superficial do que parece – a escolha entre Fernando e Anderson nem se baseia propriamente nas suas personalidades, mas sim se queremos ver cenas de sexo do Alexandre com um bear ou com um jock. Oh, sim, e temos de falar das cenas de sexo… *revirar de olhos*

Evidentemente que a versão para a Nintendo Switch de Freezer Pops está censurada, mas ainda assim os jogadores têm direito a 3 (ou 4, dependendo do final) cenas… escaldantes? O ponto de interrogação deve-se ao facto de as ditas cenas serem claros zooms de desenhos explícitos, o que acaba por servir um propósito meio estranho por ser tão evidentemente uma solução preguiçosa de censura e não uma alternativa artisticamente pensada para a versão safe for work.

Ao som de uma música que soa exactamente ao que nós associamos que é música para pornografia, mais uma vez repete-se o problema anterior: duas das quatro cenas, para ambos os interesses românticos, são exactamente iguais. E mais, duas das quatro cenas são apenas fantasia: quando chega o culminar da história, em que as personagens efectivamente se envolvem, não há grande catarse, uma vez que o protagonista já fantasiou com o pretendente escolhido duas vezes e nós vimos tudo. Num zoom estranho, mas vimos.

Freezer Pops não é uma experiência muito marcante. A história é, no seu todo, bastante desinteressante, e as personagens não são memoráveis. Pontuado por constantes cenários vazios, o jogo dificilmente marcará o mercado de jogos LGBTQIA+.

Dou os meus cumprimentos à equipa: é evidente que este jogo é uma carta de amor à comunidade LGBTQIA+ brasileira, com todas as suas pequenas referências a personalidades, celebridades e gíria brasileiras (que podem ser descodificadas no guia DLC da Steam), no entanto, enquanto jogo para um público que precisa de mais normalidade na abordagem às personagens não brancas e não heterossexuais, acaba por cair um pouco de cara.

Freezer Pops é um lápis de dois bicos: se por um lado representa comportamentos e gostos perfeitamente normais no mundo gay e fá-lo sem vergonha, por outro, esses mesmos comportamentos são quase estereotipados e restringem demasiado as personalidades das personagens, acabando por oferecer exactamente o contrário do que se espera de personagens queer em jogos: serem definidas pela sua orientação sexual.

A representação da comunidade LGBTQIA+ em videojogos ainda tem um longo caminho pela frente. Jogos como Mass Effect ou Assassin’s Creed, que oferecem personagens virtualmente pansexuais cujo interesse romântico está nas mãos do jogador, são sempre bem-vindos, mas faltam histórias relevantes, sem medo das grandes massas, como Life is Strange ou The Last of Us Part II. Jogos que contem episódios das vidas de personagens que, por acaso, são queer.

A orientação sexual não precisa de definir o tipo de história que é contada. Imaginem um Uncharted em que o Nathan Drake é gay – teria um interesse amoroso, que por acaso seria um homem, e nada disso afectaria a história ou a forma como ele enfrentaria as suas quatro grandes aventuras, seria apenas uma parte da sua experiência e vivência enquanto ser humano – é esse o tipo de representação que falta.

Freezer Pops, ainda assim, é bem-vindo no catálogo de jogos queer. Os seus defeitos residem predominantemente noutras áreas que não a representação da comunidade, mas ainda assim o jogo entretém por um par de horinhas.

Só é pena que a escrita preguiçosa e os cenários desinteressantes não sejam suficientes para ultrapassar outros jogos bastante aclamados dentro deste género, como Coming Out on Top. Mas, com a chegada do verão, Switch numa mão e gelado noutra, divirtam-se com este romance-tornado-thriller sobre o rapaz que vende gelados para pagar a renda. E, para os mais curiosos, encontrem a versão NSFW na Steam 😉

Freezer Pops está disponível para a Nintendo Switch e para o PC (Steam).

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