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Análise BD: Elise e os novos Partisans

A Europa está a viver novos tempos, ou apenas a repetir os mesmos episódios do século passado? Leiam aqui a análise do livro ELISE E OS NOVOS PARTISANS.

Em sociologia existe a chamada Teoria da História Cíclica, ou Teoria do Ciclo Social, que defende que eventos ou estágios da sociedade e da história geralmente se repetem em ciclos.

Atualmente, os Europeus parecem andar algo adormecidos mas aos poucos, e com a situação mundial cada vez mais conturbada, começam a surgir movimentos de contestação um pouco por todo o lado. Quem sabe se não estaremos a assistir ao nascimento de uma nova revolução na Europa?

Quem viveu várias revoluções foi Dominique Grange, a autora do argumento de Elise e os Novos Partisans. Dominique, com o apoio dos desenhos do seu marido, Jacques Tardi, criou uma novela gráfica praticamente autobiográfica, em que nos conta a sua visão da luta política e de classes, em França, entre as décadas de 60 e 80 do século passado.

A autora criou uma personagem fictícia onde junta não apenas a sua própria experiência, mas também algumas das histórias de vários dos seus companheiros de luta, criando uma obra que é um retrato de um dos períodos de maior combate social e político da França do século XX.

Para além disso, faz também referência aos problemas com os emigrantes argelinos e com emigrantes de outras antigas colónias francesas, algo que a França ainda não conseguiu ultrapassar e que atualmente continua em ebulição. Aqui encontramos também referências a situações que foram comuns aos muitos emigrantes portugueses que estavam nessa altura em França, e que se encontravam em fuga da polícia política (PIDE), da guerra de África ou da fome.

Também eles viviam nos “bidonvilles” e trabalhavam horas infinitas nas fábricas. Há mesmo uma referência direta a Portugal, em duas vinhetas sobre o 25 de Abril de 1974.

Dominique referiu numa entrevista que demorou entre dois a três anos a escrever o guião. Por sua vez, Tardi começou a desenhar o livro assim que a esposa lhe passou as primeiras páginas. Uma vez que o livro foi lançado em França em 2021, o movimento dos Coletes Amarelos que se iniciou em finais de 2018 e que se arrastou até meados de 2019 terá certamente influenciado a criação da obra. Porém, entre Maio de 1968 e Outubro de 2018 estão 50 anos de diferença. As lutas podem ser semelhantes, mas as pessoas, os meios, os ideais, as épocas são outras bem diferentes…

Por isso a leitura deste livro não é fácil. O começo do livro, com um permanente vai e vêm entre as descobertas da adolescência e um momento marcante e doloroso na idade adulta, é algo confuso, e o excessivo uso de siglas não permite uma compreensão imediata, obrigando a uma permanente leitura do pé de página e dificultando uma leitura fluida.

Para além disso, no caso da tradução portuguesa, não percebo porque é que os cartazes e as faixas das manifestações surgem em francês até á página 70 e apenas a partir daí surgem em português. Também acho que, ao contrário do que foi feito, as muitas canções que surgem nas páginas do livro deviam estar traduzidas para português, e o original francês no fim do livro. São cada vez menos os leitores que sabem francês, e a leitura ficaria mais contínua.   

O traço de Tardi é inconfundível e transmite bem que é uma obra feita com muito carinho. Depois das obras sobre a vida do seu avô e sobre a vida do seu pai, trata-se agora da vida da sua mulher, e por isso nota-se um cuidado especial ao longo de toda a obra.

Tardi é obcecado pela documentação, e por vezes perdia vários dias em busca de fotos para desenhar apenas uma vinheta. Chegou a comentar que podia apresentar uma tese sobre o bastão especial que os polícias de moto usavam, tal a sua busca pelo rigor.

Todavia não consigo perceber a ideia de publicar este álbum em Portugal. O tema da luta de classes é transversal a todos os países, mas a situação vivida em França no século XX é praticamente desconhecida da maioria dos jovens portugueses, cada vez menos ligados à cultura francófona, e não parece que seja com este livro que partirão à descoberta do que aconteceu ou que farão alguma analogia com Portugal.

Creio pois que esta edição apenas se destina aos admiradores de Tardi e a quem ainda tenha recordações do Maio de 68

Livro em capa dura com excelente encadernação, com páginas em papel brilhante de boa qualidade mas algo espesso. Boa impressão a preto e branco, com boa definição de cinzentos. Preço justo para o tipo de livro.

Tempo de leitura:

  • Elise e os novos Partisans – aproximadamente 1:50 hora

Um livro que não é mais do que um testemunho de décadas de luta por ideais muitas vezes efémeros, e por vezes sem grandes resultados práticos. Uma obra algo panfletária de uma ideia política que já quase não existe. Aos 80 anos, Dominique Grange quer transmitir aos jovens que a luta contra a injustiça e a opressão ainda não acabou. Mas após 50 anos Dominique/Elise apenas tira uma conclusão: “A luta de classes continua!”

Ah! E acaba o livro com uma canção, algo que a tornou bem conhecida no seu país…

Elise e os novos Partisans

Dominique Grange, Jacques Tardi
Editora: Ala dos Livros

Livro em capa dura com 180 páginas a preto e branco nas dimensões de 24 x 30 cm
PVP: 29,90 €

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Elise e os novos Partisans

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