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Jogos: Análise – Sands of Aura

Sands of Aura tem potencial. Esta frase de abertura, em condições normais, seria provavelmente um simpático eufemismo de quem, na verdade, queria tecer um juízo mais negativo sobre a qualidade do produto. No caso concreto de Sands of Aura, este raciocínio também se aplica… mas só em parte.

Desenvolvido pelo estúdio independente Chashu Entertainment e publicado pela Freedom Games, Sands of Aura é um RPG de ação, jogado numa perspetiva isométrica, com elementos de progressão e combate reminiscentes da série Souls e uma componente de exploração open-world com uma inspiração mais ou menos óbvia em The Legend of Zelda: The Wind Waker. Sands of Aura é, para além disso, um lançamento em early access, com tudo o que esse facto implica. 

Por um lado, estamos a falar de um jogo – por definição e a todos os níveis – incompleto. Mas estamos, igualmente, a falar de um jogo que se encontra à venda, por sensivelmente 20 euros, nas plataformas Steam e Epic Games Store. Esta crítica tentará responder a duas questões que têm em conta esta realidade: no momento em que escrevo estas palavras, quem (quiser) pagar 20 euros por este título poderá contar com o quê? O que é que se vislumbra no futuro deste jogo? 

Qualquer interessado em Sands of Aura poderá contar, em primeiro lugar, com um cenário de fundo interessante e visualmente cativante. Talamhel, mundo que contextualiza a aventura, foi amaldiçoado por um cruel deus, encontrando-se agora praticamente submerso nas areias do tempo. Um mundo outrora repleto de vida é, agora, um gigantesco e árido deserto, com recursos cada vez mais escassos e uma praga de inimigos sobrenaturais incansável na sua demanda por corromper o pouco que resta em Talamhel. A personagem que controlamos está prestes a ser admitida na Order of Remnant Knights (uma tradução possível será Ordem dos Cavaleiros Remanescentes), a última linha de defesa da humanidade contra a ameaça crescente das forças corruptas. A nossa missão passa, assim e em traços gerais, por proteger a humanidade, investigando e derrotando o mal que a ameaça.  

A pé ou a bordo de uma embarcação que navega pelos mares de areia, teremos de completar quests e sidequests, explorar o mundo, interagir com todas as personagens (muitas delas interpretadas vocalmente por atores), investigar dungeons e derrotar inimigos, fortalecendo a cidade-base de Starspire com as nossas ações. Ao mesmo tempo, teremos também de fortalecer a nossa personagem, nomeadamente com recurso a equipamento progressivamente mais forte e personalizável (com runas mágicas, numa tendência cada vez mais comum na indústria), bem como através de um interessante sistema de fabrico de armas – que envolve a escolha de diferentes componentes da arma, cada qual com as suas vantagens e desvantagens. 

O combate e a progressão na aventura, conforme mencionado no início do texto, vão buscar inspiração aos títulos da popular série Souls: será necessário antecipar os ataques adversários, evitar perdas de vida desnecessárias com uma forte aposta numa boa defesa e desferir ataques e ataques mágicos especiais nos momentos certos. Em caso de morte, seremos transportados para o último sino que fizemos soar (o equivalente às fogueiras da série Souls), todos os inimigos serão ressuscitados e as essências que acumulámos serão perdidas.  

Se os parágrafos anteriores vos pareceram bastante prometedores, é normal e compreensível. Por algum motivo iniciei esta crítica afirmando que este projeto tem potencial. Tudo aquilo que acabei de descrever é intrigante, pelo menos no papel. O problema de Sands of Aura reside precisamente na execução prática de tudo o que descrevi: em cima de uma estrutura conceptualmente interessante encontra-se um jogo pejado de problemas, muitos deles graves. 

Sands of Aura tem, para começar, bugs para todos os gostos: bugs visuais, bugs de áudio (num parágrafo anterior eu disse que muitas personagens têm vozes, mas na verdade não estou certo se não seria suposto todas terem…), crashes... de todas as vezes que iniciei o jogo, nunca me deparei com uma sessão isenta de problemas deste género. Normal para um early access? Talvez. Agradável? Certamente que não. 

A nível de performance visual, há outros problemas: a framerate, na minha experiência, foi consistentemente muito inconstante, o que é particularmente incómodo num jogo que depende tanto de uma boa leitura de/boa resposta para cada situação. Ainda no campo visual, mas saindo da performance, há outros aspetos que prejudicam imenso a experiência, a começar pelo péssimo trabalho de animação da nossa personagem e dos inimigos. Um aspeto fundamental em qualquer Soulslike consiste na legibilidade das animações: com base em determinados sinais visuais claros, o jogador consegue antecipar o que aí vem e responder apropriadamente. Ou então não consegue, acaba por morrer e pensa “fogo, porque é que não me desviei daquilo?”. Neste jogo, essa tarefa é simplesmente impossível. Nunca me questionei “porque é que não me desviei daquilo?”, sabendo o que é aquilo que me atacou, mas dei por mim a perguntar, em vez disso, “quem é que me atacou? Como é que isto aconteceu? Que ataque é que aquele inimigo usou?”.  

A perspetiva isométrica escolhida requer um exagero de todas as animações para nos permitir ver e interpretar o que está a acontecer… exagero esse que aqui nunca se verifica. Um dos piores exemplos destes problemas de animação: quando sofremos dano, o único feedback é a subtração de vida à barra correspondente na porção inferior do ecrã. Várias vezes dei por mim a morrer sem me ter apercebido de qualquer impacto sofrido.  

Os problemas, lamentavelmente, não se ficam por aqui. Na minha experiência inicial, o tempo entre o premir de um botão e a concretização visual de uma ação (input lag) era muito longo. Após testar a última atualização, registo que este problema, não tendo sido resolvido, foi pelo menos parcialmente atenuado. Outros pontos fracos, contudo e mesmo após essa atualização, permanecem iguais: os controlos são estranha e desconfortavelmente pouco precisos. Disparar um ataque especial ou fazer dodge/parry na direção certa, por exemplo, é um mero golpe de sorte. Um sistema de lock-on poderia mitigar alguns destes problemas, apesar de ir contra a filosofia que aparenta servir de base ao jogo.  

Para cada ideia aparentemente interessante que apresentei na primeira metade desta crítica, quase invariavelmente temos alguma espécie de problema que inibe uma boa concretização. Nem a navegação do barco através do deserto, um aspeto à partida superficial mas que serve claramente de chamariz, sendo inclusivamente usada em vários materiais publicitários, é apelativa. O barco é lento, demora a responder às nossas indicações e, infelizmente, só atraca em determinados pontos do mapa.

Sands of Aura tem potencial? Sim. Ao longo destas últimas semanas, o título tem recebido vários updates mais ou menos significativos e a equipa, ao que tudo indica, está ciente do feedback que tem recebido. Contudo, neste momento e como é possível depreender por tudo o que aqui foi dito, Sands of Aura é um jogo muito fraco, sobretudo em virtude de estar construído em torno de um sistema de combate e progressão a vários níveis insatisfatório, sendo impossível de o recomendar no seu estado atual. 

Classificação: 3/10

Sands of Aura está disponível para PC (via Steam e Epic Games Store, em Early Access).

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