Crítica BD – “A Rainha dos Canibais”
Sou uma principiante nas obras de Miguel Rocha, a sua ilustre carreira conta-me o quão expressivo, intenso e diferente é o seu traço.
Claro que existem outros “diferentes” e cada artista é dono de um estilo próprio e único, mas no caso deste autor vejo uma capacidade de concretizar muito do pouco, uma espécie de “less is more”, um minimalismo bem explorado.
As imagens da BD falam por si e com uma intensidade tal que até transmitem emoções, entendimento sem texto, expressão, som e ambiente.
Este volume em capa dura com 208 páginas é um fundo de aventura, humor e dramatismo, recheado de emoções e personagens que não vão ser esquecidas tão cedo.
Com ambiente no misterioso e exótico continente africano, reúne uma história contada em diversas partes e que leva duas mulheres a explorar acidentalmente, as várias regiões, povos e costumes que vão encontrando num caminho que nem sequer está bem definido.
As páginas são belíssimas e de uma simplicidade gráfica sem precedentes, num jogo de sombras que é característico da sua arte, incutindo uma expressão quase ancestral na maneira de mostrar os variados acontecimentos da trama.
Nunca perdendo a ironia e o sarcasmo, frequentemente imbuído de nonsense, cheio de crítica mordaz e demolidora aos portugueses do tempo do colonialismo, e à sua hipocrisia e maldade cegas.
Se sinopse for possível, diríamos que seguimos os passos de uma mulher branca, acabada de chegar a “África”, a qual, após se perder acidentalmente na selva, caminha em companhia de uma mulher africana, atravessando as mais díspares vivências e culturas locais, cruzando os estereótipos das ficções colonialistas, a obsessão na classificação dos povos e a constante comparação entre o selvagem e o civilizado.
Assim sendo, e tendo em conta a natureza meta textual claríssima de “A Rainha do Canibais”, estamos a ler um passado felizmente interrompido, mas cujas ideias e fundações continuam a contaminar a realidade nacional e internacional – este livro e a sua continuação será sempre urgente e sempre atual.
Miguel Rocha, um dos maiores e mais aclamados autores de BD nacionais regressa com este seu “A Rainha dos Canibais”, uma viagem através do colonialismo e do império português, da África imaginada e romantizada, e de um exotismo que lembra o dos pulps, onde este livro vai buscar muita da sua inspiração.
Autor: Miguel Rocha
Ilustração: Miguel Rocha
Género: Aventura, Humor, Ironia
Editora: A Seita
Argumento: 8
Arte: 9
Legendagem: 7
Veredito final: 8
Atriz e professora. Da marginalidade à pureza gosto de sentir tudo. Alcanço o clímax na escrita. Sacio-me com a catarse no teatro. Adiciona-se uma consola, um lightsaber, eye makeup quanto baste e estou pronta a servir.*De fundo ouve-se Fix of Rock’n’Roll, de The Legendary Tigerman*