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“Batman: Ano Um”, o filme que nunca vimos de Aronofsky

Edição portuguesa de “Batman: Ano Um”, lançado pela Levoir e inserido na coleção dos 75 anos da personagem

Muito antes de Batman – O Início redefinir o Cavaleiro das Trevas sob a visão realista de Christopher Nolan, outro projeto quase levou o herói para um caminho ainda mais sombrio. O realizador Darren Aronofsky (A Vida não é um Sonho, Cisne Negro) esteve, no início dos anos 2000, à frente de uma adaptação radical deBatman: Year One (Batman: ano Um), escrita em parceria com Frank Miller — e o resultado foi considerado demasiado extremo para a Warner Bros.

Numa série de entrevistas recentes, Aronofsky voltou a revelar pormenores sobre este filme nunca feito, um projeto que teria reescrito por completo a mitologia do personagem. O argumento inspirava-se no clássico de Miller, mas levava a desconstrução ao limite: após o assassinato dos pais, Bruce Wayne perderia a fortuna e acabaria a viver como sem-abrigo; Alfred surgia reinventado como “Little Al”, um mecânico afro-americano que acolhe o jovem; e o Batmobile não passaria de um Lincoln Continental transformado na garagem.

“Era um filme sujo, cru, feito com fita-cola”, descreve Aronofsky no podcast Happy Sad Confused. “Não era para vender carros de brincar. Era um Batman para adultos. Era Rated R”.

O realizador confirma também que pretendia escalar Joaquin Phoenix — quase 20 anos antes de este interpretar Joker. Porém, o estúdio tinha outra visão.

“A Warner queria Freddie Prinze Jr.”, revelou. “E eu pensei: uh oh, estamos a fazer dois filmes completamente diferentes.”

A divergência criativa depressa se tornou incontrolável.

 

Em entrevista ao Hollywood Reporter, Frank Miller recordou que a versão de Aronofsky ia ainda mais longe do que o seu próprio trabalho.

“Foi a primeira vez que trabalhei com alguém cuja visão de Batman era mais sombria do que a minha. O meu Batman era demasiado simpático para ele”, afirmou.

O estúdio rejeitou o projeto depois de ler o guião. Segundo Miller, “o executivo queria um Batman que pudesse levar os filhos a ver. E este não era esse filme. Não havia brinquedos. O Batmobile era só um carro modificado. Batman vivia na rua, enfrentava a polícia corrupta e criava a sua cruzada a partir do nada”. Conheça o livro aqui.

Arte conceitual para o filme “Batman: Year One”

A visão de Aronofsky aproximava-se mais de Taxi Driver do que de qualquer blockbuster da época: Bruce Wayne emergia como um vigilante urbano moldado pela miséria e pela violência das ruas, não pelo privilégio perdido. Não aprendia a lutar com mestres secretos, mas nas páginas gastas de livros emprestados; cada golpe era uma frase sublinhada, cada queda uma lição arrancada ao cimento — um Batman nascido da rua, feito de obsessão e noites intermináveis.

Selina Kyle surgia como uma sombra elegante e ferida, uma mulher afro-americana que conhecia Gotham como cicatrizes na pele. Não orbitava Bruce — cruzava-o, chocava com ele, rival e espelho, sobrevivente como ele.

Jim Gordon era outro corpo cansado na cidade: um homem que encarava o abismo e via o abismo retribuir o olhar. A arma no bolso pesava mais do que o distintivo, e Gotham quase o rendia antes de se cruzar com o Bat-Man.

A Batcave deixava de ser mito e tornava-se ferro, pó e silêncio — um troço esquecido do metro onde Bruce improvisava a sua guerra com ferramentas baratas e determinação pura, como um fantasma entre carris abandonados.

Edição portuguesa de “Batman: Ano Um”, lançado pela Levoir já pelo selo Black Label

E no final, tudo desembocava num prédio em ruínas, o coração apodrecido da cidade. Depois, Arkham: corredores frios, respiração suspensa e um recluso de cabelo verde que sorria sem motivo. Apenas um vislumbre — suficiente para mostrar que, neste mundo, o mal não precisava de espetáculo para ser aterrador.

Apesar do culto em torno do argumento perdido, a Warner preferiu abandonar o projeto em 2002 e apostar num reinício mais “convencional”. Três anos depois, Nolan estrearia Batman – O Início — e Christian Bale, que Aronofsky chegou a abordar para o papel, tornaria o herói num fenómeno global.

Robert Pattinson em “The Batman

Visto à distância, o Batman: Year One de Aronofsky e Miller permanece como um dos mais fascinantes filmes não realizados da história dos super-heróis — uma visão que talvez tivesse antecipado o clima que hoje encontramos em Joker ou The Batman, mas que, no início dos anos 2000, parecia simplesmente demasiado radical para Hollywood. O guião está disponível aqui.

Joaquin Phoenix em “Joker”

Terias gostado de ver este Batman brutal e subterrâneo ganhar vida? Ou preferes o caminho que Nolan acabou por trilhar? A discussão continua acesa entre fãs — e Aronofsky não exclui, um dia, regressar ao universo dos romances gráficos.

Ricardo Lopes

Começou a caminhar nos alicerces de uma sala de cinema, cresceu entre cartazes de filmes e película. E o trabalho no meio audiovisual aconteceu naturalmente, estando presente desde a pré-produção até à exibição.

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