Fernando Pessoa sobe ao palco: A peça Jogo de espelhos – um reflexo de Pessoa
A peça “Jogo de espelhos” leva a poesia de Fernando Pessoa ao palco para alunos do secundário, cruzando texto, teatro e emoção em cena.
E se a poesia de Fernando Pessoa desse uma peça de teatro?
Foi deste desafio que a companhia teatral A Corda partiu para produzir a peça Jogo de espelhos: um reflexo de Pessoa, que versa sobre a obra poética e alguns textos em prosa do autor de Mensagem. A encenação, que está a cargo de Ruben Saints, destina-se, primordialmente, a alunos do ensino secundário. Assim, para chegar a estudantes de diferentes pontos do país, o espetáculo tem sido apresentado em vários palcos, com destaque para o auditório do Liceu Camões, em Lisboa.
O texto da peça é constituído integralmente por poemas e escritos em prosa de Fernando Pessoa, com a exceção de uma famosa quadra de Mário de Sá-Carneiro que abre o espetáculo. A seleção e a organização dos textos, empreendida por Marina Prino, do nosso Agrupamento, tem o grande mérito de conferir um encadeamento destas peças textuais que dão sentido(s) à apresentação do universo ortonímico e heteronímico de Fernando Pessoa que se faz em palco. De facto, este alinhamento engenhoso de enunciados permite desfiar alguns dos temas centrais da poesia do autor (o sonho, a realidade, a infância), ao mesmo tempo que coloca alguns dos heterónimos a dialogar sobre questões centrais da problemática pessoana, de que se destaca uma interessante (e não menos desconcertante) troca de ideias entre Campos e o seu mestre Caeiro sobre a noção de realidade e o modo como esta deve ser representada na poesia.
Para dar vida a todo este “drama em gente” pessoano bastam dois atores, Diogo Bach e Manuel Henriques. Mas estes são dois atores assaz versáteis, que se desdobram para viver a fundo o teatro heteronímico e encarnarem ora Pessoa (ele mesmo), ora Campos, Caeiro e Reis, sem deixar de fora a intervenção de Bernardo Soares, que nos fala através de um vidro. E é admirável como se fazem as transições entre personagens: por exemplo, basta despir o casaco e arregaçar as mangas para Pessoa passar a ser Caeiro.
Um momento alto da encenação irrompe quando os dois atores encenam, numa gesticulação e numa movimentação eletrizantes, a “Ode triunfal”. Numa dança errática, de contornos quase tribais, os dois dão expressão corporal, em movimentos frenéticos, a um texto poético que sempre quis deixar de ser apenas palavra e voz para ser recriado em movimento(s). E facto é que a dança marcada por um ritmo estonteante do poema encanta e galvaniza os alunos.
Uma palavra sobre o cenário em que a peça se desenrola e sobre a sua simbologia. No palco espraia-se um tabuleiro de xadrez truncado, não muito amplo, onde as pedras, que são as personagens pessoanas, se vão dispor e deslocar segundo as suas próprias regras. Sobre estes quadrados erguem-se também biombos e vidros que ora simulam ser espelhos, ora limites entre a realidade e a ficção.
Por todas estas razões, a peça permite que os alunos vejam os textos de Pessoa ganhar vida e que compreendam melhor as relações que se estabelecem entre as principais figuras literárias criadas pelo poeta.