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A comédia está de regresso a Hollywood

Por estes dias, Hollywood parece uma daquelas fotocopiadoras antigas que, de tanto uso, já só repete o que lhe dão — cada vez mais esbatido, mais tremido, e com a margem cortada. 

The Naked Gun: Aonde é que Para a Polícia?!
The Naked Gun: Aonde é que Para a Polícia?!

The Naked Gun – Aonde é Que Para a Polícia?! está de volta aos cinemas — e não é que resultou? A nova versão com Liam Neeson e Pamela Anderson , em 6 dias, ultrapassou os 30 milhões de dólares nas bilheteiras de todo o mundo. Rir, afinal, ainda vende. E quando o riso volta a dar lucro, Hollywood prepara-se para tirar do armário os velhos fatos de palhaço.
Só que, como sempre, Hollywood aprendeu as lições erradas.

The Naked Gun: Aonde é que Para a Polícia?! ©2025 PAR. PICS.
The Naked Gun: Aonde é que Para a Polícia?!
©2025 PAR. PICS.

Chegou oficialmente a nova era das reinicializações (ou reboots) cómicas. Como sempre, basta um sucesso para ligar as sirenes da nostalgia industrial. Vem aí uma nova vaga, e quem sabe se regressam títulos míticos como Aeroplano!, Austin Powers, Academia de Polícia, Ultra Secreto, Olho Vivo… tudo na calha para nova maquilhagem e elencos discretos em carisma. A criatividade? Essa foi de férias e ainda não recebeu o bilhete de embarque.

spaceballs
A Mais Louca Odisseia no Espaço

Os regressos confirmados:
Mel Brooks, esse eterno jovem de 98 anos, ainda não desistiu. Prepara A Mais Louca Odisseia no Espaço 2, comédia galáctica, sátira interplanetária e promessa de riso sem algoritmo. Pode ser o último grande gesto de irreverência autoral, antes de os guionistas de inteligência Artificial (IA) começarem a fazer piadas em código binário. O regresso de Yogurt está anunciado para 2027.

Pantera Cor de Rosa

Entretanto, Eddie Murphy tenta ressuscitar A Pantera Cor-de-Rosa, papel eternamente colado a Peter Sellers, e que já sofreu às mãos bem-intencionadas de Steve Martin. Agora é a vez do Murphy experimentar a gabardina do inspetor Clouseau. Será um desastre? Uma surpresa? Ou só mais um filme para ver na televisão na tarde de domingo com o telemóvel na mão e o cérebro desligado?

Scary Movie tem regresso agendado para junho de 2026, para um sexto capítulo. Marlon Wayans e Dave Sheridan vão tentar parodiar o terror moderno — que atualmente já se faz com silêncio, tristeza e finais interpretativos. Duvido que consigam parodiar o elevador emocional da A24 sem dar um nó no cérebro.

E quando pensávamos que o inventário estava completo… a Netflix decide juntar-se à festa: vai produzir um filme baseado em T.J. Hooker, a série policial dos anos 80 com William Shatner aos berros dentro de um carro da polícia e Heather Locklear em uniforme justo. O que fazer com isto? Transformar numa comédia, pois claro. Porque se há coisa que está a dar, são polícias trapalhões com bigode vintage. Ainda não se sabe se o Shatner — que, aos 94 anos, está mais perto de pilotar uma nave real do que um carro-patrulha — voltará a fazer uma perninha. Mas o criador da série original está lá como produtor, a tentar manter alguma dignidade entre piadas com donuts e perseguições em câmara lenta.



Regressos recentes, que não pedem continuação:
Olho Vivo já tentaram, em 2008, com o Steve Carell e a Anne Hathaway. Não foi mau, mas também não deixou ninguém a pedir continuação. É tipo arroz de polvo mal temperado: come-se, mas não se repete. Não será de espantar que em breve Hollywood decida revelar novas peripécias do agente secreto Maxwell Smart.
No ano passado, a Netflix fez Eddie Murphy regressar a Beverly Hills para uma nova investigação policial, em O Caça Polícias: Axel Foley. 40 anos depois da missão original sobrou nostalgia num elenco demasiado cansado para uma sequela que se queria com ação, desbocada e sobretudo com piada.

O Caça Polícias: Axel Foley
O Caça Polícias: Axel Foley

E os desejados:
Austin Powers. Ah, esse sim merecia voltar — mas como sequela, não reboot. Basta pôr o Austin congelado nos anos 90 e descongelá-lo em 2025, num mundo onde o adultério foi substituído pelo consentimento com formulário assinado, e onde um bigode à anos 70 é considerado alerta de perigo. Mike Myers ainda está vivo e bem. Seth Green podia assumir o legado como Dr. Evil Jr. Nada mais fazia sentido do que isso. E tudo o resto seria, perdoem-me, charme desperdiçado.

E por falar em Myers, Wayne’s World 3? Claro que sim. Desde que continue Quando Mais Idiota, Melhor. Com flanelas suadas, guitarras desafinadas, e piadas sobre os adultos que nunca passaram da adolescência. Garth de cabelo grisalho. Wayne com artroses, mas ainda a dizer “party on”. A paixão por Heather Locklear ou Kim Basinger actualizada por um amor platónico pela Sydney Sweeney ao som dos saudosos temas clássicos do Rock. Faz mais sentido do que 80% dos projetos de Hollywood de 2025.

Os potenciais regressos arriscados:
Academia de Polícia
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Só se for versão adulta, com palavrões, caos real e cadetes a lidar com burocracia digital e polícias com esgotamento profissional. Um reboot amigo das famílias? Por favor. Isso seria como servir um copo de tequilla com adoçante. O espírito original não se atualiza com TikToks nem se substitui por comediantes que fazem stand-up via Zoom. Ou se volta com garra ou então deixa-se como está, a dormir no baú da nossa adolescência.

Academia de Policia
Academia de Policia

Aeroplano! e Top Secret! – Ultra Secreto deviam ser protegidos por convenção de Genebra.
A sátira absurda original não sobreviveria à internet: Aeroplano! seria cancelado antes da descolagem por piadas sobre pilotos, estereótipos, doenças tropicais e relações extraconjugais entre passageiros. Mas uma Parte Três, com Julie Haggerty e Robert Hays a pilotar um avião debaixo de pressão mediática, podia ser um final glorioso para uma saga feita de caos coordenado. David Zucker, cocriador original, afirmou não ter assistido a Aeroplano II – A Loucura Continua pois considera que paródias sem o seu toque são como piadas contadas por IA…



Top Secret! – Ultra Secreto
nunca terá reboot — não porque ofende, mas porque é bom demais. A sua mistura de paródia absurda, tempos perfeitos e criatividade visual é tão única que tentar refazê-lo seria como refazer uma piada depois de já ter resultado na perfeição: só se estraga. É um daqueles raros casos em que o original não pode ser superado — nem sequer igualado. E, na verdade, trata-se de um filme que se atreve a ser apenas… engraçado.

A comédia absurda está mesmo sob vigilância sanitária. Mas se alguém tiver coragem, que faça Ases pelos Ares: Parte Três — desta vez num confronto bélico contra as alterações climáticas porque não se pode identificar estados párias, e com os argumentistas originais, Jim Abrahams e Pat Proft.



Outras paródias exuberantes:
E se os mais delirantes executivos da 7ª arte sondassem os direitos para uma nova versão das obras dos Monty Python? Novas versões tão absurdas originadoras de protestos. A Vida de “Briane”, protagonizado por um não-binário fluido com ascendência nórdico-sefaradita, a tentar encontrar o seu lugar espiritual numa Jerusalém vegetariana e neutra em carbono. A cruz? Cancelada, por ser demasiado simbólica. A canção final? Substituída por um podcast motivacional. Já O Sentido da Vida seria dividido em capítulos de orientação existencial com meditação guiada.
É melhor não partilhar ideias para novas versões, em tempos de cancelamentos sociais.


E como o apetite por
reboots cómicos não conhece fronteiras: O Gendarme, de Louis de Funès, corre risco de ser recuperado em breve. Ou a saga britânica Carry-On, conhecida por cá como Com Jeito Vai…, ou até novas versões d’Os Malucos… de Claude Zidi, ou inclusive, quem sabe se as divertidas aventuras malandrecas de João Broncas, eternizado por Alvaro Vitali, também não são recuperadas. 
Como a puberdade também vende bem embrulhada em nostalgia, para quando nova versão de Gelado de Limão? Agora em modo de comédia adolescente assexuada, inclusiva e supervisionada por terapeutas. O título provisório? Gelado de Identidade Fluida. Os protagonistas já não perseguem raparigas nem revistas ousadas na Tel-Aviv dos anos 50, mas sim, procuram validação emocional universal. 



A Turma dos Chanfrados e a saga National Lampoon’s, conhecida pelos títulos Que Paródia de… também já merecem novos capítulos. Mais cedo ou mais tarde, haverá o regresso de American Pie, com a famosa tarte substituída por uma opção sem gluten e consentida. O novo protagonista poderá ser um jovem tímido que debate se deve enviar um emoji sugestivo ou pedir desculpa por sentir desejo. O subtítulo sugerido? American Pie: Geração Protegida.
São muitas opções para as novas gerações de espectadores!



Os “reboots” nacionais
Afinal, em Portugal também temos rebootices da comédia— só que feitas com menos orçamento e mais saudade. O Pátio das Cantigas, O Leão da Estrela e A Canção de Lisboa provaram que o público está disposto a revisitar as novas versões das clássicas histórias divertidas. Resultados mistos: uns riram, outros bocejaram, mas resultaram em sucessos nas bilheteiras e na televisão. Já O Pai Tirano, esse reapareceu sem alarido, quase clandestino, como quem pede desculpa por existir — e talvez por isso tenha escapado ao crivo da comparação direta.
Em todos os casos, fica a sensação de que, mesmo quando se tenta honrar os clássicos, há sempre um risco: o de se perder o espírito ao tentar atualizar a fórmula.

O Pátio das Cantigas, de 2015

Haverá futuro?
E quando rebentarem todos os cartuchos? Recriam os lendários com IA! Leslie Nielsen digitalizado a dizer “não se preocupem, sou polícia” com um algoritmo por trás. Rodney Dangerfield como novo símbolo do absurdo musculado, com piadas e murros de um lado e do outro. Robert Downey Jr. e Eddie Murphy como avôs na nova vaga Dr. Doolittle, como influenciadores de animais.

Hollywood não quer novas ideias. Quer ideias recicladas em embalagens novas. No fim, talvez até nos convençam a rir — mas será sempre aquele riso meio culpado, meio nostálgico, que vem com sabor a pipoca requentada.

Aonde é Que Pára a Polícia?, de 1988

E se em vez disto tudo… voltássemos a ver os originais?

Sessões especiais nas salas de cinema com The Naked GunAonde é que Pára a Polícia?! (a trilogia original), Top Secret! – Utra Secreto e Spaceballs – A Mais Louca Odisseia no Espaço ou Balbúrdia no Oeste, com riso coletivo e zero notificações de telemóvel. Redescobrir não é o mesmo que refazer. E há clássicos que não precisam de novos atores nem piadas atualizadas — só precisam de público, ecrã grande e pipocas.

Para os saudosos da comédia ZAZ (David Zucker, Jim Abrahams e Jerry Zucker) no streaming:
A trilogia Aonde é que Pára a Polícia?! está disponível na Netflix, Prime Video e Sky Showtime (até final de agosto’25). Disponível para compra ou aluguer na Apple TV+.
O Aeroplano! está disponível para compra ou aluguer na Apple TV+.

Pensamento pós-créditos:
A comédia pode mesmo estar a regressar. Mas para onde? Para os cinemas ou para o catálogo infindável de adaptações sem alma? Talvez o futuro do riso não passe por reiniciar, mas por reapresentar. Porque, às vezes, o melhor reboot é mesmo recuperar o original.



Ricardo Lopes

Começou a caminhar nos alicerces de uma sala de cinema, cresceu entre cartazes de filmes e película. E o trabalho no meio audiovisual aconteceu naturalmente, estando presente desde a pré-produção até à exibição.

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