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Werewolf by Night: O Legado Sombrio do Lobisomem na Marvel

Todos nós conhecemos histórias de lobisomens. Desde o mito do rei Licaão (Lykaon vem de «Lycos» = Lobo) que é transformado em lobo por Zeus, passando pelos relatos do Varcolac no leste europeu e dos Loup-Garou em França, os relatos de homens que se transformam em lobos durante a noite, sobretudo na fase da Lua Cheia, são imensos só no continente europeu.

Como não poderia deixar de ser, também em Portugal não faltam relatos de lobisomens corredores, que as lendas descrevem que têm de passar por sete adros, sete encruzilhadas, sete fontes, sete freguesias ou por outros sete pontos geográficos e que, de acordo com o nosso folclore, também se podem transformar em cães, cavalos, burros ou noutros animais, para fascínio de quem se interessa pelas lendas nativas.

Werewolf By Night (1972)
Werewolf By Night (1972)

Acontece que hoje em dia, o lobisomem que surge com aparência de lobo continua a ser uma referência, como o vampiro que suga sangue das suas vítimas e só se pode deslocar durante a noite. Claro está que este imaginário de entidades noturnas exerce o seu fascínio sobre quem não resiste a estudar elementos próprios do mundo sobrenatural e que preenchem as páginas de livros de terror.

As séries e filmes de ficção nunca foram imunes à presença destes elementos e, como seria de esperar, as bandas desenhadas também não. As BD’s sobre vampiros são imensas e nos EUA as editoras mais conhecidas não resistiram em publicar histórias de personagens ligadas a este fenómeno. Mas houve um período de tempo em que a licantropia parecia corresponder com outra amplitude à popularidade alcançada por diversos contos de monstros, restritos aos comportamentos bestiais e desumanos próprios das histórias de terror.

Um Protagonista Lobisomem

A premissa surge no início dos anos 70 (do século XX, evidentemente) quando o editor e argumentista Roy Thomas (n.1940) avança com a ideia de criar um herói lobisomem para a Marvel Comics. Gerry Conway foi o responsável por escrever a primeira história, enquanto Mike Ploog avançou com os primeiros esboços da nova personagem que fez a sua primeira aparição em Marvel Spotlight #2 no mês de Fevereiro de 1972: Tratava-se de «Jack» (Jacob) Russell, um jovem que descobre ser lobisomem aos 18 anos, herdeiro de uma maldição presente na sua própria família, ligada ao  Darkhold, grimório de magia negra.

Werewolf by Night

A história teve sucesso e deu origem a uma revista própria intitulada Werewolf by Night (o título foi uma sugestão de Stan Lee) publicada até 1977, contribuindo com 43 edições.

Através de Werewolf by Night reconhecemos a dificuldade de Jack (curiosamente, o seu nome vem do Jack Russell Terrier, uma conhecida raça de cães) em lidar com as suas transformações, aprendendo a lidar parcialmente com os seus piores instintos ao longo dos tempos. As histórias exploram eventos próprios do terror clássico com drama familiar além da ação e das aventuras típicas de super-heróis a par da interação com personalidades que lidam com o mudo místico, incluindo bruxos e feiticeiros.

Werewolf by Night

Jack tanto vive perseguido por caçadores de monstros como por criminosos e forças sobrenaturais que anseiam por usar o seu poder.

Jack Russell cruza-se com Drácula em Werewolf by Night #15 (1974) e o Cavaleiro da Lua (Moon Knigth) fará a sua primeira aparição em Werewolf by Night #32 (1975) com a intenção de caçá-lo. Outro número marcante é o #13 que servem de introdução às personagens místicas Taboo e Topázio (Topaz) que acompanharão o protagonista em diversas aventuras.

É relevante o #16 quando enfrenta o mutante Corcunda de Notre-Dame (Hunchback), o #34 em que lida com as assombrações da Casa Marcosa e reconhece as maldições de famílias corrompidas pelo oculto através do Darkhold, além do Giant-Size Creatures #1 (1974) quando conhece Tigra (Greer Grant) que faz também a sua primeira aparição e dos Werewolf by Night #42 e #43 em que surge o Homem de Ferro (Iron Man) e através do qual faz uma parceria para lidar com uma grande ameaça.

A partir do final da década de 70 e no início dos anos 80, o lobisomem Jack Russell aparece noutras revistas como personagem secundária, cruzando-se com outras personagens como o Dr. Estranho, o Motoqueiro Fantasma (Ghost Rider) e, evidentemente, o Cavaleiro da Lua. Já nos anos 90 o principal lobisomem da Marvel interage e junta-se esporadicamente ao grupo sobrenatural conhecido por Filhos da Meia-Noite (Midnight Sons) que inclui Blade, o Motoqueiro Fantasma, John Blaze, Morbius e Hannibal King.

A sua aparição é mais consistente a partir das publicações de Morbius, o Vampiro Vivo entre 1993 e 1995. Claro está que nesta época ninguém presta forte atenção à personagem apesar de alguns criadores da Marvel manterem a intenção de explorar algumas histórias onde Jack Russel poderia surgir.

O Ocaso da Personagem nas BD’s

É possível que o «ocaso» de Jack Russell não tenha surgido tanto pelo desinteresse dos leitores por lobisomens, mas sim devido ao destaque de outras personagens da Marvel Comics, que rapidamente atraíram os fãs do fenómeno de licantropia através de uma vertente diferente. Surgiram outras criaturas «lupinas» ou de comportamento semelhante que acabaram por suplantar o protagonismo dos lobisomens no universo Marvel, sobretudo os heróis e vilões mutantes. Entre eles, destacam-se Wolverine, Dentes-de-Sabre (Sabretooth), Feral, Wolfsbane e Selvagem (Wild Child), que se envolviam em combates intensos e violentos, próprios de feras de instintos tão ou mais aguçados.

As histórias de mutantes concentravam-se sobretudo em ação e violência, explorando o lado físico e brutal das batalhas, mas não necessariamente a força do sobrenatural que caracteriza as típicas histórias de terror, como as que vemos com Blade ou o Motoqueiro Fantasma. Por isso, apesar de fascinantes, estas narrativas desviaram parte da atenção que anteriormente cabia às aventuras de Jack Russell e dos seus conflitos com o mundo místico.

A partir dos anos 2000, surgiram ainda personagens como Rómulo e Remo, concebidas para explorar uma componente mitológica que valorizava os «homens-fera» mutantes neste universo. Estas personagens conseguiram rivalizar com os lobisomens clássicos, ampliando o imaginário de monstros da Marvel. Ao longo de várias edições de Wolverine, descobrimos que Rómulo, principal antagonista, foi responsável por manipular geneticamente várias famílias ao longo da História, dotando-as de traços e instintos ligados aos lobos, reforçando a presença dos elementos licantropos no universo dos super-heróis.

Dead of Night Featuring Werewolf by Night (2009)
Dead of Night Featuring Werewolf by Night (2009)

Jack Russel volta a surgir com maior protagonismo a partir de 2007 através do lançamento da edição Legion of Monsters: Werewolf by Night com a arte de Greg Land (n.1956). Em 2009 ressurge na mini-série Dead of Night Featuring Werewolf by Night com o selo Marvel MAX, escrita por Duane Swierczynski (n.1972) em colaboração com o artista Mico Suayan. No mesmo ano também reaparece ao lado de Morbius, Man-Thing e Hellstorm como membro dos Midnight Sons em Marvel Zombies 4, publicação escrita por Fred Van Lente (1972) e que conta com a arte de Kev Walker e Jean-François Beaulieu (cores) além de Greg Land, responsável pelas capas.

Marvel Zombies 4

Novo Lobisomem

Foi em 2020 que surgiu uma nova publicação da revista Werewolf by Night onde o protagonista já não é Jack Russel. Trata-se de um jovem indígena americano navajo chamado Jake Gomez que herda da família a habilidade para se transformar durante as noites de Lua cheia. Introduziu-se dessa forma um novo herói lobisomem pronto a atrair uma nova geração de leitores sensíveis ao fascínio cultural que envolvem as histórias de licantropia, herdadas dos relatos e lendas de diversos povos espalhados pelo mundo, incluindo os navajo.

Werewolf by Night #1 (2020)
Werewolf by Night #1 (2020)

Enfrentando caçadores de monstros, forças sobrenaturais e vários dilemas morais, Jake Gomez conta com um habilidades fora do comum, incluindo super-força, agilidade, velocidade, instintos aguçados e ainda um factor de cura acelerada.

Em 2022, o Disney+ lançou o especial em live action Werewolf by Night, a preto e branco, realizado por Michael Giacchino com o intuito de homenagear os filmes clássicos de monstros nos EUA. Foi uma curta experiência, mas alimentou a expectativa de quem aprecia histórias de monstros e entidades sobrenaturais, tal como o fenómeno de licantropia presente no próprio universo da Marvel Comics.

A ideia de um filme é altamente sugestível, ainda que haja quem considere prematuro ou um tiro no escuro avançar com algo de uma personagem com que muitos não estão familiarizados, tal como aconteceu como aconteceu com outros filmes de super-heróis que ficaram longe de obter os sucessos de bilheteira das visões cinematográficas dedicadas às personagens mais famosas da Marvel.

Talvez, se um novo Blade for lançado, para não mencionar um possível novo Motoqueiro Fantasma ou outra personagem relacionada com o sobrenatural, se equacione a produção de filme do grupo Midnight Sons, onde qualquer um dos personagens que tenha protagonizado Werewolf by Night seja incluindo e um novo lobisomem surja ao lado de super-heróis no ecrãs das salas de cinema.

Werewolf by Night #1 (2024)
Werewolf by Night #1 (Red Band) (2024)

Claro que Jack Russell não foi completamente esquecido. Em 2024 foi lançada a edição Werewolf by Night com o selo Red Band que exploram histórias de horror explícito e mais sangrentas do lobisomem escritas por Jason Loo (n.1982) e ilustradas por Sergio Dávila. Mais recentemente, no mês de Julho de 2025, a Marvel Comics lançou uma edição intitulada Werewolf by Night: Blood Moon Rise, que oferece a perspetiva de colaboração entre Michael Giacchino e Jason Loo. Na história principal, Jack Russell é aprisionado por Drácula, além de outros lobisomens, favorecendo o clima de confronto entre vampiros e licantropos.

Werewolf by Night: Blood Moon Rise
Werewolf by Night: Blood Moon Rise (2025)

Já a história secundária envolve Jake Gomez e Lisa Russell a lidar com o vilão Pesadelo (Nightmare). Abriram-se deste modo as portas para que voltemos a ler novas BD’s de Jack Russell e de outros lobisomens durante os próximos anos.

Bruno Lourenço

Fascinado por História da Arte e pelo Universo Criativo da Ficção, é um entusiasta consumidor de Banda Desenhada além de leitor assíduo de obras de Ficção Científica e de Terror, com particular predileção pelo Oculto e o Sobrenatural

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