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The Day the Clown Cried: o filme maldito existe!


Durante décadas, The Day the Clown Cried foi uma lenda envolta em mistério, vergonha e fascínio. A obra, realizada por Jerry Lewis em 1972, transformou-se numa espécie de “Santo Graal” do cinema — um filme amaldiçoado, censurado pelo próprio criador, mas que despertou o interesse de cinéfilos, historiadores e realizadores de culto. Agora, surpreendentemente, o filme poderá finalmente ser visto na íntegra, após 50 anos de ocultação.

Day the Clown Cried
Jerry Lewis durante a rodagem


Na altura da rodagem de The Day the Clown Cried, em 1972, Jerry Lewis era uma das figuras mais reconhecidas edo entretenimento americano. Após uma carreira de enorme sucesso em dupla com Dean Martin nos anos 1950, e uma transição bem-sucedida para a realização nos anos 1960 — com clássicos como As Noites Loucas do Dr. Jerryll (1963), Jerry, Oito e Três Quartos (1964), O Charlatão (1967) ou O Morto era Outro (1970) —, Lewis era visto como um génio cómico por uns e como um provocador vaidoso por outros. Em França, era idolatrado como autor cinematográfico, enquanto nos Estados Unidos já começava a sentir os limites da sua popularidade. Ainda assim, o seu estatuto como ícone cultural mantinha-se sólido, com liberdade criativa rara em Hollywood e uma base de fãs considerável.

Day the Clown Cried
Jerry Lewis durante a rodagem

A Produção e o Escândalo

The Day the Clown Cried relata a história de Helmut Doork, um palhaço alemão caído em desgraça que, durante a Segunda Guerra Mundial, é preso e enviado para um campo de concentração nazi. Lá, é forçado a entreter crianças judias e, tragicamente, a conduzi-las até às câmaras de gás. Jerry Lewis, até então conhecido pelas suas comédias, queria demonstrar o seu alcance dramático. Co-escreveu, dirigiu e protagonizou a obra, com o apoio da produtora sueca EuropaFilm.

A produção enfrentou problemas desde o início: atrasos, falhas de financiamento, conflitos com os guionistas e uma batalha legal pelos direitos do argumento. Lewis rodou o filme na Suécia, sob condições difíceis, e o resultado final deixou-o profundamente perturbado. Segundo relatos próximos, o realizador considerou que tinha “falhado moralmente” ao tentar abordar um tema tão sensível com um tom semi-satírico. Nunca permitiu que o filme fosse exibido.

Day the Clown Cried
Jerry Lewis durante a rodagem

Motivações para o Cancelamento

Jerry Lewis desautorizou o filme pouco depois de o finalizar. A sua rejeição foi tanto ética como estética. “Era mau. Mau, mau, mau,” disse numa entrevista nos anos 80. “Eu fiquei envergonhado.” O peso temático do Holocausto, aliado à sua abordagem delicada e por vezes dissonante, levou Lewis a trancar as cópias conhecidas do filme.

Durante anos, apenas pequenas sequências chegaram a domínio público — especialmente graças ao documentário Television Event e excertos usados em ensaios audiovisuais. Em 2014, Lewis doou o filme inacabado e outros materiais à Biblioteca do Congresso dos EUA, com uma cláusula que impedia a sua exibição por 10 anos. Com a sua morte em 2017, especulou-se sobre um possível levantamento dessa proibição. Em 2024, o prazo terminou.

Documentários e Legado

Ao longo dos anos, The Day the Clown Cried gerou múltiplos documentários e ensaios sobre o seu impacto e mistério. Os mais notáveis incluem: From Darkness to Light” (2024) – Documentário de Eric Friedler e Michael Lurie, que contém cenas inéditas do filme e entrevistas com especialistas, actores envolvidos e cineastas contemporâneos; “The Clown Who Cried” (1992) – Segmento do programa Hollywood UK, que abordou o escândalo e mostrou os bastidores da rodagem na Suécia; “The Story of The Day the Clown Cried” – Episódio do canal RedLetterMedia, que investigou profundamente o argumento e as motivações de Lewis; “The Day the Clown Cried: A Masterpiece or a Disaster?” – Ensaio crítico disponível online que debate a ética da obra.



A estreia dos documentários que abordam The Day the Clown Cried marcou uma viragem histórica na forma como o mundo do cinema encara uma das obras mais polémicas e misteriosas de sempre. Em 2024, durante o Festival de Veneza, uma comunidade até então marginalizada de cinéfilos — os chamados “obsessivos de The Day the Clown Cried” — teve finalmente um vislumbre autorizado de imagens inéditas do filme maldito de Jerry Lewis.

O documentário From Darkness to Light, exibido na secção Venice Classics, trouxe à luz imagens originais nunca antes vistas, documentos de produção raríssimos e testemunhos que aprofundam a relação complexa e dolorosa de Lewis com o seu próprio trabalho. A obra documental de Michael Lurie (EUA) e Eric Friedler (Alemanha), serve como continuação espiritual do documentário anterior de Friedler, Der Clown (2016), que já havia provocado ondas ao incluir encenações do argumento original e alguns minutos de imagens reais.



A Revelação em 2025

A grande surpresa surgiu em maio de 2025, quando a televisão sueca noticiou que um antigo funcionário da EuropaFilm copiou clandestinamente o filme para VHS em 1979 e guardou-o durante mais de quatro décadas. Essa versão terá sido digitalizada e, segundo fontes próximas ao canal SVT, será disponibilizada ao público em versão restaurada até ao final do ano.

A notícia apanhou o mundo cinéfilo de surpresa!

E Agora?


Após Veneza, plataformas de streaming, cinematecas e festivais académicos começaram a programar ciclos dedicados a filmes inacabados ou censurados, com The Day the Clown Cried no centro da discussão. O documentário revitalizou o interesse pelo argumento original, disponível em várias versões online, e motivou novas investigações académicas sobre o lugar do filme na história do cinema do século XX.



Agora, a possível exibição pública de The Day the Clown Cried promete reacender discussões sobre representação artística do Holocausto, limites do humor e censura autoimposta. Há quem defenda que o filme deve permanecer guardado, mas muitos consideram que o mundo merece finalmente confrontar-se com este capítulo suprimido da história do cinema.

Seja qual for a sua receção crítica, The Day the Clown Cried não será mais um mito — será finalmente um filme.

Ricardo Lopes

Começou a caminhar nos alicerces de uma sala de cinema, cresceu entre cartazes de filmes e película. E o trabalho no meio audiovisual aconteceu naturalmente, estando presente desde a pré-produção até à exibição.

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