Rapscallion, o RPG que Transforma Piratas em Lendas
Quando descobri Rapscallion, senti logo que era um daqueles jogos que “respiram mar e caos” — não apenas um RPG de piratas, mas uma verdadeira viagem por mares indomáveis, cheios de brumas, monstros e magia. A criação de Whistler, publicada pela Magpie Games, não se limita a copiar os clássicos da pirataria. É um jogo sobre liberdade, camaradagem e rebeldia, onde o oceano muda consoante as escolhas da tripulação.
Tecnicamente, Rapscallion utiliza o sistema Powered by the Apocalypse, o mesmo de títulos como Masks ou Apocalypse World, apostando numa narrativa partilhada e flexível. O livro-base, com mais de 280 páginas, reúne regras, ambientação e ilustrações que ajudam a construir o universo do Great Sea, um mar místico em constante mutação.
Os jogadores escolhem entre 10 playbooks de personagem e 3 playbooks de navio, que funcionam como arquétipos de personalidade e função dentro da tripulação. Cada personagem tem quatro atributos — Blood, Vinegar, Polish e Spitfire — e as ações são resolvidas com o tradicional lançamento de 2d6 + atributo, de acordo com o sistema PbtA. A isto somam-se mecânicas de Luck, que permitem manipular a narrativa, Bonds, que regem as relações entre os membros da tripulação, e os inevitáveis Troubles e Vices, que dão profundidade emocional aos protagonistas.
Uma das ideias mais interessantes é tratar o navio como uma verdadeira personagem, com a sua própria ficha, motivações e segredos. É uma forma inteligente de reforçar a ligação entre os jogadores e o seu meio de sobrevivência, tornando cada embarcação única. A ambientação é igualmente rica, explorando o conflito entre três forças simbólicas — Law, Weird e Free — que moldam o mundo e as histórias.
Tudo isto é apoiado por uma componente física de qualidade, com dados temáticos, ecrã do mestre, mapas na edição de luxo com marcadores de seda e capa ilustrada.
O que realmente me cativou em Rapscallion foi a atmosfera — há algo de poético no modo como o jogo mistura aventura e mistério, sempre com um toque de melancolia marítima. A sensação de liberdade é constante: cada grupo cria o seu próprio mapa, as suas próprias rotas e as suas próprias lendas. A narrativa colaborativa funciona muito bem e o sistema PbtA dá espaço à improvisação e à criatividade.
Jogar Rapscallion é sentir o mar a mexer-se debaixo da mesa, é partilhar risos, traições e promessas entre amigos que se tornam uma tripulação de verdade. O equilíbrio entre o sobrenatural e o humano é outro dos seus trunfos — os vices e troubles dos personagens fazem com que cada aventura tenha tanto de introspeção como de ação. E a ideia do navio como membro da equipa é simplesmente brilhante: dá unidade e identidade à história.
Contudo, nem tudo é perfeito. Achei o manual um pouco confuso em certas partes, especialmente no modo como as regras interagem entre si. A escrita, por vezes, exige releituras para perceber a intenção de certas mecânicas, e o ritmo do jogo depende muito da experiência e da capacidade de improvisação do mestre.
Como acontece com outros títulos Powered by the Apocalypse, Rapscallion vive da narrativa — o que é ótimo se o grupo gosta de drama e criatividade, mas pode ser frustrante para quem procura algo mais tático ou estruturado. Também há um certo desequilíbrio entre momentos de ação pura e cenas mais introspectivas, o que pode causar quebras de ritmo em mesas menos experientes.
Conclusão:
No fim, Rapscallion é um RPG que exige entrega, mas recompensa a “quem se deixa levar pela maré”. É um jogo que não teme o caos nem as falhas — pelo contrário, abraça-as como parte da viagem. É sobre piratas, sim, mas também sobre amizade, rebeldia e o desejo de liberdade num mundo que teima em querer ser domado.
E talvez seja essa mistura de aventura e humanidade que o torna tão especial: porque no Great Sea, mais importante do que encontrar tesouros é descobrir quem realmente somos quando o mar se revolta.
Podem comprar o jogo diretamente no site da Magpie Games.
Dário é um fã de cultura pop em geral mas de banda desenhada e cinema em particular. Orgulha-se de não se ter rendido (ainda) às redes sociais.





