Cinema: Crítica – Chainsaw Man The Movie: Reze Arc
Ano após ano, o mercado de cinema ocidental recebe uma enchente cada vez maior de projetos de animação japonesa, fruto do sucesso que estes têm num público progressivamente maior, aberto e acima de tudo, jovem.
Por norma, e excluindo os filmes de autor como, por exemplo, os de Makoto Shinkai, estes projetos surgem no embalo do anime base em formato episódico, por sinal, muito bem sucedido. O que, por vezes, levanta uma questão pertinente, aquando do seu anúncio, como é este Chainsaw Man The Movie: Reze Arc (ou só Reze Arc para facilitar): Será algo feito a pensar de raiz nesse formato ou uma desculpa para aproveitar a fome de consumo, de fãs e curiosos, em ver as suas personagens prediletas num grande ecrã?
Respondendo já, diria que este filme, produzido pelo estúdio MAPPA e distribuído pela Sony Pictures, se encaixa no segundo cenário, mas já lá iremos a fundo. Reze Arc pega no gancho final do popular anime de mesmo nome, lançado no fim de 2022, sem perder muito tempo com apresentações. Denji vive alheado no seu mundo de prazeres e impulsos rápidos.
Aki e Power voltam à rotina normal enquanto caçadores de demónios. E Makima puxa os fios de um elaborado, e intricado, jogo de bastidores da Public Safety Special Division, após um desfecho arrebatador que resultou na morte de figuras importantes que, marcaram a primeira e última temporada do anime.
O motor do conflito é nos trazido pela enigmática e carismática Reze, que dá subtítulo ao filme. Através do choque entre a jovem e Denji, ao se conhecerem, o filme tenta navegar por caminhos mais perigosos, no que toca ao destino das personagens, focando sempre os holofotes nos desdobramentos das ações do seu protagonista inconsequente, colocando um tanto de lado os restantes caçadores de demónios.
O que desde já levantou, de inicio, um ponto de rutura com a dinâmica de familiaridade trazida pela série. Aquela camaradagem caricata está presente mas numa dose muito mais dispersa e contida, no formato de recortes rápidos, o que trabalha em sentido contrário pelo filme, na medida em que este elemento tão forte que, a série tinha polido ao longo dos seus 12 episódios, perde presença, para não dizer que é quase inexistente.
O próprio facto do filme começar um tanto abruptamente, daria a entender um certo senso de continuidade, quase extensão, com a série, o que não se veio a confirmar, de todo, ao longo dos poucos mais de 90 minutos de duração. Seja como for, para o bem do proveito de quem lê, e de forma escapar de qualquer spoiler não intencional, ficarei por aqui no que respeita à história. Reze Arc tropeça na ideia de querer seguir um caminho próprio, embora cometa o pecado capital de storytelling, ao manter o status quo do seu universo e personagem (praticamente) inalterado quando chega à sua conclusão.
Se pegarmos num exemplo recente, como o filme de Demon Slayer The Movie: Infinity Castle, vemos como a transição para o grande ecrã, não trouxe consigo compromissos, pelo contrário, dá-se seguimento à história e aproveita-se o formato para elevar os aspectos técnicos. Reze Arc segue só metade do formato dos seus semelhantes que optar por ter presença nos cinemas.
Mas se quisermos olhar para a máxima do que conta é a jornada e não a chegada, então, Reze Arc resulta melhor. Dá-nos esse encontro com velhos conhecidos (três anos de espera no entretenimento, hoje em dia, é uma eternidade), equilibrando humor e ação, do início ao fim. Pelo lado cómico, nada a apontar, Denji, e um pouco, Power, protagonizam as cenas mais engraçadas e entregam exatamente aquilo que esperamos, já pela ação, aqui realmente o estúdio MAPPA aproveita o formato, e a bem dizer o orçamento, para elevar a fasquia que já estava nas alturas do seu meio.
Sim, é mais fácil fazê-lo num filme isolado do que manter tal qualidade no formato de série com inúmeros episódios semanais, ainda assim vale a pena dizê-lo. Há toda uma sequência, bem extensa, por sinal que ocupa quase que um terço do filme, só dedicada à ação. Este pedaço faz Reze Arc brilhar, e com certeza, será por aqui que será lembrado no futuro.
Há todo um jogo de câmara muito bem realizado, que mistura o que sentem as personagens com a intensidade das explosões (não fosse o seu criador Fujimoto um amante declarado da sétima arte) que tornam o formato da animação japonesa em algo único, para trabalhar no género de ação. Este segmento quase que me fez mudar de opinião em relação a Reze Arc, quase como uma hipnose audiovisual, mas os meus problemas com o guião, e decisões criativas tomadas, regressam logo após a poeira da luta assentar.
Num filme amarrado a uma base do manga que, ao ser lançado no formato de longa-metragem de sala, no contexto de três anos de ausência por qualquer continuação da primeira temporada diga-se, leva a um resultado agridoce. Isto, como já dei a entender, por Reze Arc abandonar, por força da narrativa, em continuar, realmente, o testemunho da série e antes por contar uma história isolada, que no final das contas, pouco ou nada muda no universo de Chainsaw Man.
O climax deixa-nos com mais dúvidas do que respostas, num filme que precisava afincadamente de responder ao mar de perguntas e incertezas que o anime havia deixado no ar. Por curiosidade, senti até surpresa quando os créditos surgem, um genuíno, «já terminou? É só isto?!».
A seu jeito, Reze Arc pode encher as medidas a quem procura algo mais descomprometido e só quer passar uma hora e meia com Denji e companhia, com uma boa dose de porrada e comédia, mas para quem a narrativa e os desdobramentos de um universo que, teima em esconder as suas camadas e mistérios, é importante, poderá sair um tanto desiludido, como foi o meu caso. Como última nota, não irei cair na tentação de rotular, pejorativamente, o filme de “filler” porque não é de todo o caso, contudo, Reze Arc deixa esta sede por muito mais, muito mesmo.
Algo que, agora, dificilmente, se consegue prever quando irá ocorrer uma, certa, segunda temporada, já que o estúdio responsável esteve anos ocupado a desenvolver este filme contido, que prometeu mais do que realmente entregou. O sentimento é quase como se estivéssemos lá em 2022, a aguardar alguma migalha de novidade de Chainsaw Man, o que, olhando para trás, do filme, foi uma oportunidade desperdiçada.
Classificação: 6/10
Alguém que vê de tudo um pouco, do que se faz no mundo da Sétima Arte, um generalista por natureza. Mas que dispensa um musical ou comédia




