Análise RPG: Black Powder and Brimstone
Sou um jogador que recentemente mergulhou no Black Powder & Brimstone, e vou-te contar o que é este jogo, o que me atraiu — e também onde sinto que tropeça um pouco.
O que é o Black Powder & Brimstone
Quando agarrei no livro, fui logo transportado para um mundo sombrio, gótico, brutal — uma mistura entre pólvora, guerra religiosa, magia proibida e demónios. É um RPG indie, publicado pela Free League, mas totalmente compatível com o sistema MÖRK BORG, o que me chamou muito a atenção: gosto dessa filosofia “old school renaissance” (OSR) mas também queria algo mais sombrio, mais “folk horror”, mais destemido.
Neste mundo, chamado Vaterland, há um conflito gigantesco entre duas facções religiosas fanáticas (algo inspirado no contexto histórico da Guerra dos Trinta Anos), mas também há bruxas, cultistas, demónios e magia que desrespeita a própria realidade. Os personagens que jogas não são heróis natos: são sobreviventes, mercenários, bruxos ou oportunistas — pessoas que tentam ganhar algo no meio do caos, mesmo sabendo que a morte ou a perdição espreitam.
O sistema de jogo é leve: rolas um d20, tens quatro atributos (Força, Agilidade, Presença, Resistência) e fazes testes para ver se consegues algo — é simples, mas há algumas “graças” novas. Por exemplo, existe um sistema chamado Devil’s Luck, que te permite invocar um poder sombrio, fazer algo espetacular… mas tem um preço: podes sofrer mutações físicas, como crescer um chifre ou ter um dedo extra. É mecânica de risco, mas com graça.
Também há armas de pólvora: pistolas antigas, arcabuzes… mas não são “seguras” — podem falhar, e em alguns casos explodem, causando-te dano inclusive a nós próprios. Isso faz com que usá-las seja uma decisão a ponderar. Quanto à magia, só alguns tipos de personagens (como as bruxas) podem conjurar — mas as magias são poderosas, e muitas envolvem consequências bem sombrias.
Em termos de conteúdo, o livro está cheio: há muitos tipos de personagens (arquetipos e subclasses), armas, itens bizarros, locais assombrados, inimigos humanos e monstruosos.
Os destaques que mais me encantaram
O que mais me agarrou no Black Powder & Brimstone foi, antes de mais, a sua estética. O livro é profundamente ilustrado, com imagens densas, cheias de sombras e cores saturadas que evocam imediatamente o estilo do grande Mike Mignola. Cada página parece saída de uma banda desenhada de fantasia gótica como Hellboy ou B.P.R.D., quase uma galeria de arte, e isso tornou a leitura muito mais imersiva.
A atmosfera do jogo — sombria, violenta e impregnada de desespero — também me conquistou. Não estamos perante uma fantasia heróica tradicional; aqui, tudo é marcado por guerra religiosa, magia proibida e a constante ameaça do sobrenatural, o que dá uma sensação genuína de perigo em permanência.
Apesar do tom pesado, as regras são ágeis e simples, mas com pequenos toques que lhes dão personalidade, como o Devil’s Luck ou as armas de pólvora capazes de virar um combate num instante — para o bem e para o mal. Essa combinação entre mecanicamente leve e tematicamente intenso faz com que cada escolha pareça importante. Senti ainda que a versatilidade oferecida ao Narrador é um dos elementos mais fortes: há muito lore para explorar, mas também bastante espaço em aberto para criar, adaptar e improvisar, o que torna o cenário extremamente maleável.
O que menos gostei
Ainda assim, o jogo não está isento de falhas. A primeira coisa que salta à vista é a necessidade óbvia de uma melhor edição. Há erros, frases mal estruturadas e explicações pouco claras distribuídas ao longo do texto, algo que já vi mais pessoas a apontarem (tive o cuidado de procurar a opinião de jogadores nativos de língua inglesa para ter a certeza do que sentia).
A organização do livro também não ajuda — por vezes, a arte sobrepõe-se à funcionalidade, tornando difícil encontrar regras durante o jogo, algo especialmente frustrante para mestres que procuram rapidez na consulta.
Senti igualmente que as armas de pólvora, embora tematicamente deliciosas, podem ser arriscadas ao ponto de perderem utilidade estratégica, uma vez que algumas têm probabilidades altas de falhar ou até de explodir. Como já disse acima, o risco é tão grande que acabamos por querer não as usar.
Outro ponto é o próprio lore: embora rico e evocativo, parece, por vezes, incompleto, como se o autor esperasse que o narrador preenchesse demasiadas lacunas. Para alguns grupos isto pode ser ótimo; para outros, pode ser um obstáculo. No conjunto, fica a sensação de que o jogo beneficiaria enormemente de uma segunda edição revista, mais clara e mais funcional, sem perder a identidade visual e temática que o torna tão apelativo.
Conclusão
No geral, eu gostei deste jogo. Acho que ele cumpre aquilo a que se propõe: oferecer uma fantasia sombria, cheia de perigo, onde cada escolha importa. O facto de ser “rules-light” torna-o ágil, mas as mecânicas extras (magia sombria, armas de pólvora, mutações) dão-lhe carácter e risco. A parte artística é, para mim, um grande trunfo — é das obras RPG que mais me faz querer virar cada página, mesmo só para contemplar os desenhos.
Dito isso, se fosses Mestre ou Jogador, precisas de estar confortável com alguma ambiguidade: nas regras, no cenário, nos detalhes. Pode não ser a escolha ideal para alguém que espera um manual super “polido” e completamente explícito. Mas se te atrai uma fantasia “gótica, brutal e desesperada” e tens vontade de improvisar, de lidar com risco, de aprofundar personagens atormentados, então Black Powder & Brimstone pode ser uma das mais interessantes adições à tua coleção.
Dário é um fã de cultura pop em geral mas de banda desenhada e cinema em particular. Orgulha-se de não se ter rendido (ainda) às redes sociais.





