Crítica BD – Os Filhos de El Topo – Trilogia
Os Filhos de El Topo é uma trilogia, com argumento do consagrado autor chileno Alejandro Jodorowsky, que foi finalizada em Portugal. Aqui fica a nossa análise.
Foi no início dos anos 1970, à meia-noite em ponto, durante um festival de cinema, que o casal de vedetas, John Lennon e Yoko Ono, projecta El Topo de Alejandro Jodorowski. Imediatamente celebrado pela crítica e pelas maiores estrelas de rock da época, o filme dá origem à corrente Midnight Movies e gera um verdadeiro culto entre os cinéfilos do mundo inteiro. Ainda hoje ele não perdeu nada da sua grandeza e do seu estatuto de obra mítica. Quase meio século depois, Alejandro Jodorowski decide contar a continuação em banda desenhada. Graças ao traço virtuoso de José Ladronn, dá-nos um western alegórico e surrealista, onde, como é frequente no genial criador chileno, o género está ao serviço de considerações filosóficas e espirituais mais profundas.
O filme El Topo (1970), realizado e interpretado por Alejandro Jodorowsky foi filmado e produzido no México. É considerado um acid western, isto é, um western que combina as ambições metafóricas de westerns conceituados da década de 50 com os excessos do western spagetthi e a contracultura da década de 60. El Topo é recordado pelas suas bizarras personagens.
A sequela materializou-se em 2016, não nas salas de cinema, mas em banda desenhada, pela mão da editora Glénat, teve o seu primeiro volume dedicado a Caim, o segundo volume, intitulado Abel e um terceiro volume, intitulado AbelCaim. Em Portugal, a edição nacional coube à Arte de Autor.
A estética entre filme e BD mantém-se, definem o mesmo tom de uma parentalidade dura que podemos ver noutras histórias de Jodorowsky – fazer de crianças homens impõe dor e sofrimento. Assim terá sido com Caim, abandonado pelo pai, El Topo, um bandido tornado Santo.
A história inicia-se com esta introdução curta, demonstrando como Caim procura El Topo para o matar. Mas não conseguindo matar o Santo em que se tinha tornado, jura matar o irmão. Como Santo, El Topo detém poderes que usa para proteger Abel.
Paralelamente, Caim deambula, invisível a todos, sem grandes meios de sustento. A solidão e a frustração atingem-no de forma absoluta. E de povoação em povoação é ostracizado e apagado das memórias, seguindo-se a vontade do Santo. Já Abel anda de terra em terra, realizando, com a mãe, um espetáculo de marionetas – até que esta falece.
A história cruza uma perspetiva implacável com elementos bizarros, não deixando de parte a sexualidade. A narrativa contém elementos simbólicos de várias religiões, desde o nome dos filhos de El Topo – com a referência evidente aos filhos de Adão e Eva.
Visualmente, Os Filhos de El Topo transmite a rudeza das personagens, a aridez dos terrenos e o horror do confronto violento. A bizarria narrativa transmite-se na caracterização de algumas personagens. Destaca-se a qualidade da edição – não só pela textura do material escolhido, como no alto-relevo de alguns elementos nas capas.
Com cores genericamente esbatidas, que por vezes chegam a parecer estar mal pintadas, mas que são alternadas por alguns vermelhos vivos, o resultado estético final é muito interessante. Com fantásticas ilustrações dos cavalos ao corpo feminino, Ladrönn faz um excelente trabalho.
Deste modo, é de esperar que esta trilogia apresenta-nos a sacanas viscerais, interações surreais e a uma aura de sonho que consegue ser tanto fascinante como repugnante. Não é um livro para todos. Mas muitos, vão adorar. Trata-se de uma viagem entre vários mundos, se assim não fosse não seria de todo uma viagem e nem teria como origem um filme de culto.
Talvez ao assistir e ao ler sobre El Topo, iniciamos o caminho para o nosso acordar e, simultaneamente, adormecer espiritual.
Autor: Alejandro Jodorowski
Ilustração: José Ladrönn
Género: Aventura, Ação
Editora: Arte de Autor
Argumento: 9
Arte: 9
Legendagem: 8
Veredito final: 9
Alejandro Jodorowski, artista polivalente, é um dos maiores argumentistas de banda desenhada, com contribuições maiores nos géneros do fantástico e da ficção científica e na criação de universos místicos inesquecíveis. Em 1965, Jodorowski vai viver uma dezena de anos no México. Aí roda dois filmes, El Topo e La Montagne Sacré.
Lá inicia também a sua carreira de argumentista de banda desenhada, criando a personagem Anibal 5, desenhada por Manuel Moro. Em 1978, Jodorowski e Moebius assinam juntos o seu primeiro álbum comum, Les Yeux du Chat, e é dois anos mais tarde que se lançam em Les Aventures de John Difool. Jodorowski depressa se tornará um dos mais célebres argumentistas de banda desenhada com as séries Alef-Thau (como Arno), Le Lama Blanc, o remake de Anibal 5 e Juan Solo (com Georges Bess), John Difool avant l’Incal (com Zoran Janjetov), Face de lune (com Boucq), La Caste des Méta-Barons (com Juan Gimenez), para citar apenas alguns…
Jodorowski recebeu o Alph’art de Melhor Argumento em 1996, em Angoulême, pelo primeiro volume de Juan Solo. Criou, em 2001, a série de sucesso Bouncer, desenhada por Boucq, cujos volumes 8 e 9 são publicados pela Arte de Autor. Em setembro de 2019, a Arte de Autor edita a saga Os Cavaleiros de Heliópolis, volume 1 e 2, com desenhos de Jérémy.
José Ladrönn nasceu no México, em 1967. Entre as leituras que o marcaram, cita as Fables Paniques de Jodorowsky ou o Necromicon de H.R. Giger, mas também L’Incal de Jodorowsky e Moebius (que é, para ele, uma obra mágica). Para além da banda desenhada, consagra uma boa parte do seu tempo a uma outra paixão: a pintura. Pinta obras gigantescas, terríveis, sobrenaturais. Em 1996. começa a trabalhar para a Marvel com uma história curta de Blade.
Seguir-se-ão Spider-Boy, Cable, Thor, Fantastic Four, e Inhumans, entre muitos outros trabalhos para numerosos editores. Perdidas todas as ilusões perante o ritmo alucinante imposto pelo sistema de produção editorial norte-americano, rompe com os grandes grupos e trabalha para uma publicação independente: Hip Flask.
Durante o ano 2000, em Los Angeles, teve um encontro miraculoso como Jodorowski, de onde sairá a história curta Les Larmes d’or que apareceu no Metal Hurlant n.º 145 em 2004, mas também a realização de um sonho: retomar a personagem de John Difool para um novo ciclo de aventuras. Renova a sua colaboração com o autor chileno, em 2008, para o ciclo Final Incal nos Humanoïdes Associés.
Atriz e professora. Da marginalidade à pureza gosto de sentir tudo. Alcanço o clímax na escrita. Sacio-me com a catarse no teatro. Adiciona-se uma consola, um lightsaber, eye makeup quanto baste e estou pronta a servir.*De fundo ouve-se Fix of Rock’n’Roll, de The Legendary Tigerman*